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O professor de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB), Bráulio Ferreira Dias, 52 anos, já participou de todas as COPs e MOPs de que se tem notícia. Antes disso, teve o privilégio de ser "testemunha ocular" das conferências que antecederam a Rio 92. É um expert. Mas a partir desta segunda-feira, quando 3.ª Reunião das Partes Signatárias do Protocolo de Cartagena (MOP3) se iniciar em Curitiba, sua emoção será como a da primeira vez. A experiência lhe diz que algo surpreendente pode acontecer. E ele torce por isso. "Se não houver avanços, será frustrante para o Brasil", declarou, em entrevista à Gazeta do Povo.

Paulista radicado no Distrito Federal, Dias chefia o setor de Conservação de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente e é um dos homens fortes da ministra Marina Silva. Coube a ele a coordenação dos dois eventos da ONU. Há cerca de um ano, sua vida tem sido participar de encontros "biodiversos" com ONGs, povos indígenas, grupos de empresários e técnicos do Ministério de Relações Exteriores, Casa Civil e Itamaraty. Rodou vários estados e já tem uma prévia do que vai se ver por aqui nos 19 dias em que os 46 mil metros quadrados do Expo Trade vão virar território das Nações Unidas no Paraná.

Por decoro, prefere não citar nenhuma das surpresas que a COP/MOP reserva. Mas garantiu que a megadiversidade brasileira vai estar representada, principalmente para ilustrar aquela que promete ser a mais apaixonante das rodadas de negociações – a proteção dos conhecimentos tradicionais dos indígenas e comunidades quilombolas e caiçaras, entre outras. Batuques, cocares e manifestos à flor da pele devem dar colorido a esse capítulo da conferência. Com sorte, pode ser mais do que isso. Pode ser histórico. Além de um refresco. Povos da floresta e projetos para melhorar a vida do planeta até 2010 são apaixonantes, mas só vão ganhar vez depois que findar uma briga de cachorro grande – a decisão sobre a rotulagem de transgênicos. O arranca-rabo tem hora marcada. Começa nesta segunda-feira.

Confira os principais trechos da entrevista.

A expectativa é que o clima da MOP3 seja pesado, marcado por manifestações de grupos ambientais favoráveis à rotulagem dos transgênicos, e o da COP8 mais leve. Isso deve mesmo acontecer?As negociações da MOP são mesmo mais acirradas. E existem alguns temas de difícil negociação. Já a COP é muito maior, tem temática mais vasta e há bastante convergência. O que não descarta a conferência de biodiversidade encontrar situações difíceis pela frente. Uma delas é o regime internacional de acesso a recursos genéticos e repartição de benefícios. E também a proteção de conhecimentos tradicionais dos povos indígenas e comunidades locais. O status desses povos varia de país para país e não há consenso. As negociações sobre incentivos econômicos também devem ser complicadas, mas sem repartição, não há como avançar.

Qual deve ser a posição do Brasil sobre a rotulagem dos transgênicos?Já estamos recebendo pressão de vários países, de setores econômicos, da área ambiental. E pressões internas. Curitiba vai sentir esse clima. Posso dizer que deve haver avanço na posição brasileira. Sabemos disso. Acompanhamos reuniões técnicas, em parceria com a sociedade civil. Apoiamos um fórum global de ONGs e movimentos sociais. Alguns grupos vão bater temas ligados à biossegurança e outros mais controvertidos, como o acesso a recursos genéticos e proteção dos conhecimentos tradicionais. Temos de tratar essa pauta como ganho, pois são temas que precisam de visibilidade. As pessoas em geral acham que esses debates são complexos, sem relação com o dia-a-dia. Não ajuda nada pensar assim. As conferências, no geral, ajudam a entender a biodiversidade e mais gente a se engajar.

Mas o grande impasse é briga dos transgênicos?Esperamos sair do impasse criado pelo Protocolo de Cartagena no que tange à identificação do carregamento com transgênicos. Mas não é tudo o que importa. Outra grande discussão é a das metas para 2010, para reduzir de maneira significativa as taxas de perda da biodiversidade. A gente espera que até lá os produtos comercializados, que sejam derivados da biodiversidade, sejam de origem sustentável, certificada, e aí por diante. Há várias metas nesse sentido, mas para chegar lá é preciso mais recursos, capacitação, mais transferência de biotecnologia, engajamento de diferentes atores, dentro e fora do governo, e avanços de políticas públicas.

Como anfitrião, o Brasil tende a ser mais pressionado do que a média? O governo está preparado para as investidas internacionais, principalmente da Comunidade Européia e da África?É um perigo que corremos, mas a pressão é legítima. Trabalhamos para que as negociações e compromissos avancem em cada conferência. Será uma grande frustração para o Brasil, como país anfitrião, se não houver avanço. E tudo indica que as negociações programadas vão progredir, apesar de alguns pontos serem realmente lentos. No mais, o país anfitrião divide o ônus da organização e do sucesso da reunião. Se fracassar, o fracasso será principalmente nosso. Comumente, há pressões sobre os países em que as reuniões se realizam. Pode acontecer e essa possibilidade nos preocupa. Mas o Brasil tem vários aliados. Há uma aliança com os países em desenvolvimento, o G77, e várias outras alianças É o caso dos 17 países megadiversos, que sozinhos controlam cerca de três quartos de toda a biodiversidade do mundo. Outro grupo importante do qual o Brasil faz parte é o da América Latina e Caribe, e seus blocos políticos: o Mercosul, o Tratado de Cooperação Amazônica. Cresce nossa cooperação com países em desenvolvimento, como China, Índia e África do Sul.

Diz-se que a época da inocência já acabou e que em reuniões como a COP/MOP a tendência é calcular o preço do meio ambiente e apontar o dedo para quem deve pagar a conta. O senhor concorda?Com certeza. Está muito claro que as questões da biodiversidade não se resolvem apenas com a ação da área ambiental. Não é suficiente. Não adianta fazer belos programas se os governos e a sociedade estiverem na direção contrária. O grande desafio da Convenção sobre Diversidade Biológica é engajar diversos setores, convencendo-os de que é de interesse deles repartir benefícios e promover o conhecimento sustentado. Esse esforço já está dando resultado. Na COP8 vamos ter inúmeros depoimentos nessa direção. Quer um exemplo. Fizemos um workshop para o setor privado, em parceria com o governo britânico, com o Centro Empresarial Brasileiro para Desenvolvimento Sustentável e a União Mundial de Conservação da Natureza (UCN). A discussão era como fazer o setor privado incorporar programas de sustentabilidade. Ao mesmo tempo em que os empresários se organizam, há uma ação de movimentos sociais, de indígenas do mundo inteiro, comunidade locais, quilombolas e outros, mostrando seu ponto de vista e divergindo das posições oficiais. Estamos acordando.

A proteção do conhecimento dos povos indígenas e comunidades tradicionais é um debate tão atraente quanto polêmico. Falta definir termos. A conversa vai avançar?A questão está em plena negociação. Aprovamos em 2002 um mandado negociador para um regime internacional de acesso a benefícios genéticos e repartição de benefícios. Recentemente, em Granada, na Espanha, o assunto entrou na rodada e essa conversa vai continuar em Curitiba. Posso garantir que houve avanços. É importante ressaltar que o Brasil, sendo o anfitrião da MOP3/COP8, vai coordenar todos os trabalhos da convenção durante os próximos dois anos, até a COP9. É nossa oportunidade de exercer uma liderança e fazer debates como esse avançarem.

A proteção dos conhecimentos tradicionais interessa particularmente à ministra Marina Silva?Sim. Vai ser muito difícil as populações empobrecidas se engajarem numa ação de conservação da biodiversidade se tiverem que ficar o tempo todo preocupadas com a sobrevivência. A política de repartição de benefícios é uma resposta às assimetrias e desigualdades brasileiras. Trata de justiça e eqüidade. Se continuarmos a criar novos parques, isolados e sem gente, não há futuro sustentável. Temos de usar a biodiversidade para ajudar a resolver também os problemas de emprego e renda. A repartição de benefícios é um desses mecanismos. Sem falar na compensação ambiental. Há vários mecanismos em pauta.

O desmatamento da Amazônia ocupa uma posição tímida na agenda de assuntos da COP/MOP. Mas é inevitável virar bandeira em território brasileiro...Obviamente, a Amazônia será discutida em algum momento. O fato é que os expedientes na COP são globais. Nunca fazemos negociações sobre um país em específico. A regra é procurar regras gerais que se apliquem a todos os países. Mas temos estudos para apresentar. Por um lado, ainda há desmatamento e queimadas, mas há iniciativas como a Nova Lei de Gestão de Florestas Públicas. Queremos mostrar o esforço do Brasil no combate ao desmatamento, as parcerias com diferente setores do governo, o que resultou, neste último ano, na diminuição de 30% da taxa de desmatamento. Temos de manter essa tendência de redução.

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