De certa forma, Millôr Fernandes está para a cultura nacional como Groucho Marx (1890 1977), para a norte-americana. Porém, as vantagens daquele sobre este são muitas. De início, Millôr está vivo, Groucho não. O gringo escreveu livros de humor e chegou a se apresentar na Broadway, mas seu forte foi o cinema. O brasileiro é responsável por 22 peças de teatro, mais de 40 livros e 70 traduções de Shakespeare, Molière, Sófocles e de outros 50 e tantos autores, além de bancar um "saite" impagável na internet (www.millor.com.br) e uma coluna semanal na revista Veja. Nas livrarias, acaba de relançar Todo Homem É Minha Caça (Record, 224 págs. com 16 ilustrações, R$ 29,90), publicado originalmente em 1981.
Com uma obra relativamente pequena estrelou 24 filmes e escreveu nove livros , Groucho é referência de dez entre dez comediantes americanos inclusive Woody Allen e Jim Carrey. É possível que o carioca, nascido no bairro do Méier em 27 de maio de 1924 (há controvérsias), detestasse ser um patrimônio nacional, mas o Brasil seria menos país sem o senhor Milton Viola Fernandes.
Milton, no seu primeiro ano de vida, perdeu o pai. Aos 10, ficou órfão de mãe. Estreou na imprensa aos 14 anos, virou Millôr aos 17 graças ao garrancho do cartorário, o corte do "tê" ficou em cima do ó e o ene saiu parecido com um erre e, três anos mais tarde, já era o jornalista mais bem pago do Brasil.
Na entrevista a seguir, feita por e-mail, Millôr fala sobre sexo, política, imprensa, trocadilho e morte. Confira.
Gazeta do Povo Existe a história de um suposto "trocadilho supremo". Nele, dois náufragos habitam ilhas diferentes e um pergunta para outro: "Hei! Vamos trocar dilhas?". Qual foi o melhor trocadilho que o senhor ouviu na vida?
Millôr Fernandes Tenho outra versão, daqui do Rio. O cara (trocadilhista) morava na ilha de Paquetá, se mudou pra do Governador. Encontrou um velho amigo que lhe perguntou: "Você ainda tem aquela mania de fazer trocadilho?" E o cara respondeu: "Não, agora troco d'ilhas".
O senhor tentou seguir uma carreira de escritor ou humorista nos EUA? Dizem que os americanos têm dificuldades de entender ironia, seria por isso?
Eu, tentar o quê, Irinêo Netto, com circunfléquiço e dois ttês? Nem pensar. Quanto a americanos não entenderem ironia, bem, não é privilégio deles. Sempre que faço alguma ironia mais delicada, escrevo entre parênteses, ironia.
O cenário político brasileiro já esteve pior ou nunca houve lama como a de hoje?
Sempre houve mais lama do que areia, terra batida, macadame. Só que hoje, companheiro, de trás pra frente e de frente pra trás, A LAMA NADA NA LAMA.
Qual é a melhor saída para o governo Lula?
A da porta dos fundos. Se é que ele tem saída.
Alguma vez o senhor hesitou em fazer humor com uma determinada situação para evitar polêmica como fazer piada com as vítimas do furacão Katrina ou algo assim?
Alguém precisa pensar duas vezes, ou mesmo uma vez só, pra não brincar com tragédias, Irinêo? Quem é o doente mental que brinca com isso? (Bem, pra tragédia do passado, sobretudo remoto, o raciocínio não vale).
À época em que o Pelé fez seu milésimo gol, o senhor disse ter feito uns três mil "gols" (como metáfora para casos amorosos). Hoje, a quantas anda essa contagem?
Não foram três, mas 5 mil. Não me rebaixe à mediocridade sexual vigente. Porque só medíocres sexuais acham aquilo extraordinário. Faça às contas, dos 15 aos 45 anos, 30 anos. 3,25 por semana. Um cara moço, bem-sucedido e no período de furor uterino másculo, isso é muito? É essa mesma humanidade que nos faz satisfeitos com este mundo medíocre, com apenas UMA Capela Sistina.
No material preparado pela Record para o lançamento de Todo Homem É Minha Caça, o texto o compara ao Oscar Wilde. Cito a frase: "Essa rapidez de raciocínio faz de Millôr uma espécie de Oscar Wilde tupiniquim". O que acha de tal comparação?
Tola. Falta de assunto. Falta de conhecimento. Quem sabe da vida do Oscar é Ambrose Bierce, que ninguém aí conhece.
Como presidente, quem é melhor escritor: Fernando Henrique Cardoso ou José Sarney?
Tenho um livro chamado O Primado da Ignorância (os dois são primos entre si) em que analiso brevemente esses dois luminares. Sarney (Sir Ney) é um oligofrênico literário. FhC é o Lula barroco. A ignorância com PhD.
Existe algum trabalho que o senhor gostaria de não ter feito ou do qual se arrepende?
Trabalho pra ganhar a vida. No momento. Não considero pra trás (o passado é ridículo), nem olho pra frente (a esperança é um fracasso). Vivo no melhor dos tempos.
Chico Caruso diz que os cartunistas de hoje não são centrados na realidade. Na sua opinião, o cartum atual é pior ou melhor do que o dos anos 1970?
Ninguém fala melhor do que o Chico Caruso para quem acha que ninguém fala melhor do que ele. Me repito: nada é melhor do que o dia-a-dia atual.
O cineasta canadense Denys Arcand (Invasões Bárbaras) diz que o sentido da vida é encontrar uma profissão de que se goste e passar o resto da vida fazendo isso. Para o senhor (e a pergunta é para valer, não é provocação), qual é o sentido da vida?
Ele é um bom cineasta e fez aquele filme formidável sobre o INSS deles lá, igualzinho ao nosso, sobretudo na corrupção. Mas a vida não é só isso que ele diz. A vida é isso, o aproveitamento dos cinco sentidos tradicionais e de mais dois ou três que descobri. Mas que ainda estão em fase experimental.
O senhor tem medo da morte?
Morte? Qué qué isso? Enquanto vivemos a vida é eterna.
Quando tinha 20 anos e era o jornalista mais bem pago da imprensa brasileira, o senhor imaginava como seria aos 80?
Pergunta prejudicada por resposta anterior.
Em um encontro improvável, que conselho o Millôr de hoje daria ao jovem Milton, de 17 anos?
Não dou conselhos. Meu caminho só dá pra um. No máximo repetiria Nelson Rodrigues: ENVELHEÇA!
Em Desvarios do Brooklyn, o escritor Paul Auster cria um personagem que escolhe passar os últimos anos de sua vida no bairro nova-iorquino que dá título ao livro. Se pudesse escolher qualquer lugar do mundo para viver seus anos derradeiros, qual seria?
A grande aventura existencial é nascer e morrer no mesmo país, na mesma rua, na mesma casa. Ulisses fez aquela viagem incrível, mas voltou pra Ítaca. Onde, aliás, Penélope o esperava. Tecendo, como fazem todas as grandes mulheres.
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