Para muitos brasileiros, ter ido à Alemanha na época da Copa do Mundo pode ter sido uma experiência traumatizante. Além de a seleção ter jogado em clima de pelada pós-churrasco, voltar ao Brasil diante dos cancelamentos da Varig foi quase uma missão impossível. Mas, pelo menos para o quadrinista curitibano José Aguiar, 29 anos, estar no país que sediou o mundial de futebol neste ano foi, e continua sendo, uma aventura bastante pitoresca.
Há quatro meses vivendo na cidade alemã de Leipzig, onde sua esposa, a diretora teatral Fernanda Baukat, participa de um projeto de performance, Aguiar conseguiu tirar o melhor proveito possível do decepcionante torneio (para nós, brasileiros, é claro), que irá servir de inspiração para uma exposição que será inaugurada em Curitiba, no mês de dezembro "Eu vim para a Alemanha com o apoio do Goethe-Institut e da empresa Tecnicópias, pois estou preparando uma exposição de desenhos e quadrinhos sobre o que vi de mais pitoresco e também sobre a febre da Copa por aqui", explica, em entrevista ao Caderno G, via MSN.
Aguiar, que apesar de não ser um grande fã de futebol, assistiu aos jogos em telões instalados em praças públicas "os ingressos ou já estavam esgotados, ou eram caríssimos" , vem registrando tudo em fotografias e esboços de desenhos, que serão aprimorados quando ele e a esposa voltarem ao Brasil, no início de setembro. "No meio de milhares de pessoas, eu consegui alguns flagrantes fotográficos bonitos, que servirão de referência para as ilustrações. Foi uma experiência muito rica estar no meio daquela mistura de torcidas", conta.
Quanto aos hábitos alemães que vêm servindo de inspiração ao quadrinista, estão o trânsito e a maneira bem particular de lavar a louça. "É engraçado, pois no Brasil somos criados para ter medo dos carros e aqui eles páram para você atravessar a rua. O jeito de lavar a louça também é bem diferente. Eles deixam tudo de molho na água com detergente e depois colocam para secar. É mais econômico, mas não fica muito limpo", diverte-se.
HQs
Mas nem só em observar os hábitos germânicos consiste a viagem de Aguiar. Ao saber que ele passaria o semestre morando na Alemanha, a editora francesa Paquet, que publica a série Ernie Adams, desenhada por Aguiar e roteirizada pelo matogrossense Wander Antunes (leia mais no quadro ao lado), o convidou para uma mini-turnê pela França, para divulgar o segundo volume da obra. "Fiquei muito contente, pois quando chegava nas livrarias já havia pequenas pilhas de revistas esperando para serem autografadas. Sem falar nos leitores, que queriam conversar comigo e pedir um desenho", conta o ilustrador.
Narrando as aventuras de dois detetives na cidade de Chicago dos anos 30, Aguiar e Antunes acabaram conquistando na Europa um público bem diferente do que imaginavam. "Autografei álbuns para leitores bem mais velhos que eu. Foi uma surpresa e tanto", revela. Outro aspecto que surpreendeu Aguiar foi o hábito de consumir quadrinhos, inerente a diversas faixas etárias. "Na França, eu vi leitores de todas as idades nas livrarias. Era muito comum ver os pais acompanhando os filhos na compra dos quadrinhos, cada um escolhendo o seu", destaca.
Para ele, a valorização da chamada nona arte no Brasil depende da divulgação da tradição que o país já possui na área. "Em Genebra, eu conheci a casa de Rudolph Töpffer, um dos precursores dos quadrinhos. Havia placas identificando a casa onde ele nasceu como ponto turístico. No Brasil, temos, por exemplo, Angelo Agostini, que já produzia quadrinhos no século 19, simultaneamente aos europeus. Eu brinco que, no Brasil o problema dos quadrinhos está no inho do nome. O diminutivo sempre associa nossa arte à infantilização", conclui.
Além do sucesso de Ernie Adams no exterior, Aguiar comemora a publicação de Folheteen, pela editora brasileira Devir. As desventuras da complicada adolescente Malu, antes publicadas em formato de tirinhas em jornais como a Gazeta do Povo (no extinto caderno Fun), agora ganham uma história completa em formato de álbum. Imagens inéditas, gentilmente cedidas por Aguiar para ilustrar esta matéria, também serão expostas em outubro, durante o aniversário da Gibiteca de Curitiba, onde o quadrinista ministra um curso de História em Quadrinhos. "É muito bom poder viajar para outros países e trocar idéias com outros autores, mas acredito que meu lugar é no Brasil, ajudando a valorizar a arte dos quadrinhos. A minha arte", finaliza.
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