No romance Bonsai (2006), lançado ano passado no Brasil pela editora Cosac Naify, o escritor Alejandro Zambra, um dos expoentes da nova literatura chilena, tenta fazer de sua narrativa o que ele chama de bonsai de livro, em referência ao misto de arte e técnica de jardinagem, de origem japonesa, que miniaturiza plantas, sobretudo árvores. Por meio de um controle absoluto de seu ciclo de crescimento, envolve procedimentos muito específicos e extrema dedicação.
O autor, hoje aos 37 anos, constrói uma história podada, drenada de seus excessos e até mesmo de parte de sua essência. No núcleo da narrativa enxuta, e que por vezes mais parece um resumo do que poderia ter sido um longo romance, cuja trama atravessa anos e oceanos, está um caso de amor. Entre Julio e Emilia, amantes da palavra escrita, e, em princípio, profundamente apaixonados um pelo outro. Mas não para sempre.
Essa paixão é pautada pela literatura. Ele mente ter lido, na íntegra, todos os volumes de Em Busca do Tempo Perdido, clássico do escritor francês Marcel Proust, e a conquista. Enquanto permanecem juntos, leem muito, principalmente na cama: romances, contos, poemas e, inclusive, a própria obra de Proust, que não conseguem terminar.
Dentre os textos que frequentam o leito de Julio e Emilia está o conto "Tantalia", de Macedonio Fernández (1874-1952), com quem Zambra, que também é professor universitário de Literatura, diz ter, na vida real, "uma relação de ódio e amor", ao ponto de permitir que seu texto seja contaminado pelo do escritor argentino. A história, uma das muitas lidas pelos protagonistas, fala de um casal que faz um pacto. O de comprar uma plantinha e dela cuidar como símbolo do amor que os une.
O mais recente romance de Zambra. Formas de Volver a Casa (2011), ainda inédito no Brasil, como diz o próprio narrador da história, "fala da geração daqueles que aprendiam a ler ou a desenhar enquanto seus pais se tornavam cúmplices ou vítimas da ditadura de Augusto Pinochet".
Leia a seguir trechos da entrevista concedida por Zambra, em julho passado, durante a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip).
Como professor de Literatura, você se sente por vezes mais autocrítico? É possível separar esse ser pensante, que reflete e discute literatura do escritor, mais impulsivo, irracional em certa medida?
Eu como professor sou bastante irracional (risos). Não creio nessa ideia de que o escritor seja alguém com puro instinto. Isso é mais um mito do que uma realidade. O que é certo é que quando alguém lê, pressupõe que existe do outro lado, o do escritor, uma intencionalidade máxima. E, quando se escreve, não. É um tema interessante. No caso de Bonsai, há dois personagens principais, que se chamam Julio e Emilia. Eu sabia por que ele tinha esse nome, mas não parei para pensar por que ela se chamava Emilia. Então, quando o livro foi publicado, em uma das primeiras resenhas, um crítico chileno chamou a atenção para o fato de que esses nomes são os mesmo dos personagens Julius e Emilia, de uma obra lida por todos os estudantes de latim no Chile. Foi uma associação inconsciente que eu havia feito. Parece algo muito intencional, estratégico, e não foi. E, em Bonsai, há um momento em que Julio vai ensinar latim.
Você também escreve poesia e seu livro, Bonsai, apesar de ter sido escrito como prosa, tem muito de poético. Fale sobre essa relação.
Eu me criei na poesia, claramente. A prosa não me interessava. E, no Chile, a poesia é muito importante. E não apenas por conta de Pablo Neruda, que criou uma tradição, uma referência. Mas ele é como um bisavô para quem escreve hoje em dia. Há, atualmente, uma poesia chilena contemporânea que está mais próxima da prosa, que já não depende da estrutura tradicional do verso, da rima. E essa é a tradição dentro da qual eu me criei. É daí essa conexão com os meus romances. E a mim interessa que meus textos de prosa tenham uma certa simplicidade da poesia, ainda que esteja falando de coisas complexas. Portanto, essa contradição entre poesia e prosa me interessa muito estilisticamente.
Bonsai foi adaptado para o cinema, em 2011, pelo diretor Cristián Jiménez. Você tem vontade de trabalhar com cinema?
Estou agora me envolvendo um pouco com isso. Tenho vontade até de rir, mas a verdade é que a mim sempre interessou esse tema: o que a literatura tem de especificamente literário, o que não se pode filmar? E, agora, estou interessado em saber o que a literatura não pode fazer, e o cinema, sim. Efetivamente, o que se pode fazer hoje em termos de imagem é vastíssimo, e está mais barato experimentar. Tenho alguns projetos, mas tenho até vergonha de falar nisso.
E a sua geração tem forte diálogo com outras mídias.
Sim, ao ponto de eu achar que alguém da minha geração gostar de escrever é quase um desvio dos caminhos naturais, porque somos criados de forma muito audiovisual.
Em Bonsai, Emilia vai embora do Chile para a Espanha. Há muitos chilenos que partem do país?
O romance tem uma dimensão representativa em relação ao ano de 1990, que era um tempo, um momento muito difícil de descrever, porque coincide com a chegada da democracia, uma democracia muito imperfeita. E, no ar, havia a suspeita de que, a qualquer momento, poderia haver um golpe de estado. Tudo era muito frágil. E, por outro lado, o discurso oficial insistia muito em falar do bem-estar econômico do Chile, que por sua vez estava associado a algumas políticas da ditadura. O Chile se transformou no paraíso do capitalismo selvagem. E há uma melancolia no livro, encarnada pelos personagens aos quais esse discurso oficial parecia não chegar. Havia uma tristeza no ambiente e havia muita vontade de se apegar a algo. De criar algo, apesar de os personagens não acreditarem em Deus, de saberem que o amor não redime, mas, da mesma forma, eles estão buscando algo. E eles se enamoram. Havia uma necessidade nessa época de nos mesclarmos. Os de classe média mais baixa, que nunca haviam saído do país, com os que vinham do exílio, por exemplo, nossos professores.
Sua obra, então, é auto-biográfica?
Em Formas de Volver a Casa, eu falo muito disso, há uma imagem muito concreta disso. Nos primeiros anos de democracia, eu estudava em um colégio muito grande, com milhares de alunos, a única escola pública em Santiago, em teoria, de qualidade. Mas muito segregada. Era muito difícil de ingressar. Em 1991, estávamos tendo aulas e dois ladrões entraram e se esconderam no estacionamento do colégio. Os policiais chegaram e fizeram disparos no ar e um dos professores se jogou sob a mesa e se pôs a chorar. Entrou em pânico. Tivemos de levantá-lo, dar-lhe água. Esses eram os anos 1990. Um tempo meio inexplicável. Nós assumíamos como nossa uma história que não era nossa, mas de nossos pais. Nós somos uma geração transitória. Como diz o narrador, nós pertencemos à geração "daqueles que aprendiam a ler ou a desenhar enquanto seus pais se tornavam cúmplices ou vítimas da ditadura de Augusto Pinochet".
Prateleira chilena
Uma seleção de obras indispensáveis para entender o momento atual da literatura que surge do outro lado da Cordilheira dos Andes:
*Inéditos no Brasil.
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