Gontijo Flores aborda os detalhes da vida cotidiana, urbana e a dois| Foto: Divulgação

Poesia

Brasa Enganosa

Guilherme Gontijo Flores. Editora Patuá, 156 págs., R$ 30.

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Poderíamos falar da erudição do autor, professor da Universidade Federal do Paraná que aos 28 anos de idade domina inglês, latim, francês e alemão. Gontijo Flores foi responsável pela tradução da monumental Anatomia da Melancolia, de Robert Burton, uma obra de mais de mil páginas em quatro volumes publicada pela Editora UFPR. E poderíamos comentar o virtuosismo formal com que ele escreve versos.

Nada disso, no entanto, trataria do cerne de Brasa Enganosa primeiro livro de poemas de Guilherme Gontijo Flores, que é justamente como ele evita essas facilidades, para "expulsar as mediações literárias" e "enxergar de frente, o mais diretamente possível, a matéria dos poemas por fazer", como comenta o poeta Tarso de Melo na orelha do livro.

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E, de fato, nada disso passa pela mente ao ler, por exemplo, os versos, de uma falsa singeleza, de um poema como o que dá título ao livro, que transcrevo abaixo, com a imagem da brasa acesa ainda entre os carvões como metáfora para a saudade: "brasa enganosa/ debaixo das cinzas/ saudade/ quase chama corpo/ ausente/ rosa encarnada/ estalando/ na carne do éter/ como se cada/ outrora de repente/ merecesse ser/ novamente/ exatamente/ agora".

Gontijo Flores, assim, aborda – com a precisão milimétrica que rege a posição de cada palavra no poema – os detalhes da vida cotidiana, da vida urbana, da vida a dois. E faz isso sem maquiar com sentimentalismo, mistificar ou precisar transcender, ir além, do que descreve. Pelo contrário, caminha sempre em direção às próprias coisas, rumo à sua "carnura", como ele mesmo diz.

Em outro poema, ele procura uma "réstia de vida" na imagem da carcaça de um pássaro destroçado por dois gatos (um ato "sem pecado/ sem perdão"), uma réstia que não se encontra nem nos gatos, nem no pássaro morto, "uma réstia ainda & sempre por se/ encontrar".

É uma forma de afirmação da vida encontrada na própria violência do viver e abordada com uma rara placidez, como quem busca algum contentamento no mundo sem iludir-se e ignorar todas as pequenas e grandes desgraças cotidianas – do desamor ("não se aprende a amar/ o desamar sim/ se desaprende", afirma outro poema) à morte. Quem olhar com atenção, verá que tal projeto permeia todo o livro.

Por tudo isso, por não ser um desses livros de estreia lançados cedo demais que acabam depois causando arrependimento – Guilherme, afinal, é um estudioso de Horácio, que é quem recomenda guardar um livro por 9 anos na gaveta antes de publicá-lo –, que Brasa Enganosa se revela ser o começo de uma trajetória poética muito promissora.

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