São Paulo Trata-se do relato de uma viagem ao Marrocos, mas a impressão que se tem é que poderia ser do mesmo modo um guia turístico dos recantos amarelados da Lua ou dos pontos mais interessantes de um formigueiro esquecido no meio do jardim que o resultado seria igualmente estupendo. Por mais fascinante que seja o lugar descrito, o que conta aqui é a descrição.
É uma experiência similar à que Elias Canetti (1905-1994) narra em um trecho deste As Vozes de Marrakech (Cosacnaify, 112 págs.; R$ 29): "Suas palavras vêm de longe e pairam mais tempo no ar do que as do homem comum. Eu não entendia nada e mesmo assim ficava preso a suas vozes". Para alguns, ela se chama literatura.
O livro resulta de uma estada de três semanas no país com uma equipe de cineastas ingleses. Elias Canetti não se preparou para o "passeio": não conhecia as línguas locais, não estudou guias, não quis aprender costumes.
Resolveu apenas andar pela cidade, observar, conversar se fosse possível e, posteriormente, contar o que viu, seja o sacrifício de camelos ou a sexualidade notável de um jumento decrépito, seja o estranho costume de um homem cego de mastigar longamente as moedas que recebia de esmola ou as histórias dos vários membros da família Dahan, que, por uma série de circunstâncias, ele terminou conhecendo.
São casos simples, narrados em sua maioria em cinco ou seis páginas, nos quais diferenças nem de longe constituem um problema, e repetições provocam não o tédio, mas a desautomatização dos olhos e ouvidos ("começam com Deus, terminam com Deus, repetem seu nome 10 mil vezes por dia [...]. São arabescos acústicos em torno do nome de Alá, bem mais impressionantes que os arabescos visuais"). Ainda que essa esteja longe de ser a intenção do livro, a verdade é que até seria possível extrair dele quase uma ética do viajante perfeito.
Notável em vários gêneros
Prêmio Nobel de Literatura de 1981, o búlgaro é de fato um autor especial. Como escreveu nesta Ilustrada há alguns anos Nelson Ascher, ele compunha, "sem tentativas e erros", algo notável em um gênero e então mudava para outro, numa espécie de pesquisa interminável sobre o limite (a "consciência") das palavras.
Parte importante dessas experiências já pode ser lida em português: o romance (a sua obra máxima, Auto-de-Fé, Cosacnaify), os ensaios, os volumes autobiográficos e o tratado (Massa e Poder) de difícil classificação, editados pela Companhia das Letras, as peças (uma seleção em O Teatro Terrível, ed. Perspectiva). É a esse conjunto tão distinto e coerente que se junta agora este relato de viagem As Vozes de Marrakech.
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