Nascido nos laboratórios militares dos Estados Unidos durante a Guerra Fria, o videogame conseguiu transformar o bélico em diversão nos mais de 40 anos que se sucederam. Que o entretenimento está na raiz dos jogos eletrônicos, não restam dúvidas. Mas em qual momento deixaram de ser apenas diversão para se tornar uma nova forma de narrativa?
"O videogame também é cultura, criatividade e representa, de várias maneiras, uma estrutura bem mais complexa do que a de um bom filme", explica Nolan Bushnell, fundador da Atari, no documentário A Era dos Videogames, veiculado no Brasil pelo Discovery Channel. Bushnell é considerado o pai da indústria dos jogos por ter criado o Atari 2600, primeiro videogame com cartuchos que podia ser acoplado a uma televisão (leia a linha do tempo na páginas 3). O console explodiu em vendas no final da década de 70 e gerou dois dos maiores personagens do setor: Pac-man e Mario.
Pac-man conquistou os norte-americanos a ponto de a demanda ser maior do que a oferta do produto. As fábricas não davam conta de fabricar cartuchos e fliperamas para abastecer o mercado. O grande marco, no entanto, é um personagem barrigudo e bigodudo criado pelo japonês Shigeru Miyamoto. Mario é até hoje a principal franquia da Nintendo e uma das que tem maior retorno em um setor que fatura US$ 12,5 bilhões anuais somente nos Estados Unidos faturamento maior do que a indústria de cinema de Hollywood. O último lançamento da série, Super Mario Galaxy, para o fabricante Wii, vendeu 500 mil cópias em apenas sete dias.
Mais do que sua representatividade comercial, Mario deixou uma marca nos games ao elevar a linguagem narrativa um degrau acima. Quando a Nintendo lançou o Family System (Famicom), que ganharia o nome de NES nas prateleiras americanas, Miyamoto dedicou um jogo inteiro ao encanador italiano e criou o Super Mario Bros., a primeira história de um videogame com um herói carismático e que tinha começo, meio e fim. Tanto que Miyamoto está para os jogos eletrônicos assim como o ilusionista francês Georges Méliès, mestre do cinema fantástico mudo, está para o cinema. É um marco divisor entre técnica e arte.
Amadurecimento
Os jogadores cresceram. E o que começou como um brinquedo de criança já atingia os adolescentes no começo da década de 90. A japonesa Sega identificou a mudança no público e transformou um porco-espinho na nova cara dos consumidores. A identificação foi imediata: Sonic era um jogo de ação rápido, com um anti-herói mal-humorado, rebelde e egoísta.
Nesse cenário, surgiu ainda a Sony, com seu Playstation, focado em jogos mais adultos. A Rockstar North aproveitou a nova onda e criou um dos títulos mais polêmicos e de sucesso dessa geração: Grand Theft Auto (GTA). Tinha tudo aquilo que uma megaprodução hollywoodiana poderia ter: trilha sonora exclusiva, atuação de atores reais e um bom roteiro de gângsters. Mas ainda era interativo como um videogame. Estima-se que a série, que virou referência para o gênero de ação, tenha vendido mais de 40 milhões de cópias.
Já nos anos 2000, o atentado de 11 de Setembro em Nova Iorque produziu o fenômeno que ainda se reflete nas prateleiras: a disparada nas vendas e na produção de jogos de guerra. Com quase 50 anos, os videogames se voltam para a sua origem, mas em outro patamar de tecnologia.
Narrativa
Os exemplos acima mostram como os videogames são um reflexo cultural. Mas os jogos eletrônicos podem ser considerados arte? "Mais do que a semelhança óbvia com outras formas de arte, como a fotografia próxima do cinema, ou a estética visual que se aproxima de grandes pinturas, o fator que melhor eleva os games a essa categoria de "arte" é o seu aspecto distintivo: a interatividade", afirma o jornalista e crítico de games Fabio Santana, autor do livro A Arte dos Videogames. "Através da interação com o game, o jogador imerge e atua em um mundo de fantasia, capaz de provocar as mais diversas emoções".
O coordenador da especialização em desenvolvimento de jogos para computador do Centro Universitário Positivo (UnicenP), Fabio Binder, concorda que a interatividade dos games é única e representa o grande diferencial para outros meios. Um jogo tem em média 40 horas de duração e, no fim da jornada, a sensação de heroísmo e catarse é, em muitas vezes, superior do que a oferecida por um filme. "A principal diferença é a interação. O videogame possibilita aos jogadores uma imersão muito maior do que no cinema. Você tem as próprias escolhas e define os rumos do personagem", diz Binder.
Apesar das grandes cifras envolvidas na produção de um lançamento o orçamento de um título arrasa-quarteirão, como Halo 3, chega a US$ 20 milhões ainda há espaço para jogos que ousam discutir arte e fogem dos padrões. "Jogos como ICO e Shadow of the Colossus colocam o jogador em contato com um mundo onírico, em companhia de um ser que você não conhece. Essa relação se desenvolve de maneira subjetiva, permitindo que você preencha os vazios com sua imaginação. São produtos mais próximos aos ideais de seus criadores, que melhor caracterizam o entretenimento eletrônico como arte digital interativa", explica Fabio Santana.
Como não se pode contar sempre com a boa vontade dos grandes estúdios para criar jogos menos comerciais, uma saída plausível, segundo o crítico, seriam as novas plataformas alternativas de desenvolvimento de jogos de baixo-custo, com distribuição garantida nos consoles atuais: Xbox 360, PlayStation 3 e Wii. Um bom exemplo é produtora Introversion Software, que escolheu abandonar o realismo dos gráficos para desenvolver uma jogabilidade mais inovadora em Darwinia, jogo com grafismo e temática inspirados no filme Tron e que lembra os primeiros gráficos poligonais da década de 90.
Além de refletir o pensamento de uma cultura, os jogos eletrônicos acabaram se tornando referência artística. "Os videogames invadiram as outras formas de cultura, ostensiva ou sutilmente. Seja na letra da música U,U,D,D,L,R,L,R A,B, Select, Start dos Deftones, que faz referência ao famoso código da Konami, ou na direção de fotografia do filme 300 de Esparta, que inventa um jeito videogame de se fazer cinema. Os noticiários falam sobre videogames e suas implicâncias morais, o que afeta a política. Campanhas de publicidade se baseiam em games", descreve Fabio Santana.
O criador da Atari considera ainda que a atual fase é apenas o começo da revolução cultural dos videogames. "É uma forma de arte muito complexa e poderosa. E o melhor ainda está por vir", sentencia Nolan Bushnell.
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