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Poucas vezes na história do rock o nome de uma banda sintetizou tão bem o estado de espírito dos seus integrantes – ou pelo menos dos que faziam a sua linha de frente, o vocalista Nasi e o guitarrista Edgard Scandurra – como o Ira! nos seus últimos dias. A ira entre os dois (mais o empresário do grupo, Airton Valadão Rodolfo Jr., irmão de Nasi) é tanta, e na mesma proporção a mágoa e o ressentimento, que inviabilizou a própria sobrevivência de uma das formações mais relevantes do rock brasileiro, com mais de 26 anos de estrada, 13 discos lançados e milhões de fãs em todo o Brasil.

E se você é um deles, pode ir tirando o cavalinho da chuva. Porque numa coisa Nasi e Scandurra ainda concordam: o Ira! já era... O vocalista, que anunciou o seu desligamento do grupo no início de setembro, se apresenta no próximo sábado, dia 1.º, ao lado da Relespública no Curitiba Master Hall. Também quer viajar, cantar com sua banda de blues, tirar umas férias.

Já Scandurra, que chegou a fazer três shows do Ira! acumulando guitarra e voz, cancelou as datas restantes da turnê do álbum Invisível DJ – mas pretende manter a banda com o baixista Ricardo Gaspa e o baterista André Jung, só que com outro nome (ainda a definir). Sem falar no seu projeto de música eletrônica, o Benzina.

O rompimento da parceria, da amizade de quase 30 anos e o conseqüente fim do grupo foi melancólico: recados pela imprensa, acusações, shows desfalcados, barracos em família, agressões físicas, ameaças de morte, boletins de ocorrência, batalha judicial.

E o próximo capítulo dessa novela policial-musical deve ser escrito aqui em Curitiba, amanhã ou quarta-feira, quando Nasi ficou de dar uma entrevista coletiva na qual promete "soltar o verbo" e contar tudo o que aconteceu. Diz inclusive ter um dossiê com informações e documentos que vão ajudar a compreender o clima no Ira! nos últimos tempos, e a explicar por que a relação se tornou insustentável. Só que Nasi "soltou o verbo" antes ao Caderno G. E Scandurra rebateu, conforme você lê a seguir.

O ambiente

Nasi: "Fazia uns dez anos que o Edgard vinha com essa história de parar. ‘Esse é o meu último disco, essa é a minha última turnê’, ele dizia. E durante todos esses anos ele exercia o seu poder de dominação sobre o grupo com esse tipo de ameaça. Se as coisas não fossem estritamente como ele queria, ele dizia que ia parar. Se o disco não tivesse pelo menos 80% de músicas dele, o disco não saía. Sabe aquela coisa de prima donna?

De tanto ele falar isso, e como o nível de desgaste já estava muito grande, achei que seria melhor pararmos por um tempo, até para sentirmos saudade uns dos outros, revermos certas posturas.

Então propus que depois da turnê de Invisível DJ tirássemos umas férias, já que nesses 26 anos a única vez em que tivemos uma folga um pouco mais generosa foi depois da turnê do Acústico, quando paramos por 50 dias. Fora isso, sempre tínhamos que estar prontos para fazer shows. E eu queria viajar, poder ir para Curitiba cantar com a Reles... quando eu falei parecia que todo mundo tinha concordado, tanto que até o Edgard até disse – ‘demorou’."Scandurra: "O Nasi está invertendo todas as histórias. Eu nunca disse qualquer coisa sobre parar. Depois que terminamos a turnê do Acústico, quando me perguntavam sobre os projetos futuros, eu respondia ‘férias’, mas como uma sacada de humor. Era ele que sempre falava que não agüentava mais. O nosso relacionamento não era mesmo dos melhores, a gente se falava muito pouco, mas eu atribuía a um desgaste natural, depois de tantos anos de convivência. Ou ao mau humor, dele e de minha parte também. Como se diz no Exército, ninguém é obrigado a ficar se abrindo como pára-quedas para todo mundo. De vez em quando a gente voltava a se falar, brincava um pouco sobre futebol, falava do São Paulo... talvez umas férias resolvessem os problemas, fizessem bater a saudade. E estava tudo certo, tínhamos 15 shows até o fim do ano e depois entraríamos em férias."

O rompimento

Scandurra: "No dia 11 de setembro saiu uma entrevista do Nasi na [revista] Flash News, na qual ele dizia que estava fora, além de um monte de coisas sobre nós. Foi aí que me veio a luz de que talvez fosse mesmo a hora de cada um seguir o seu caminho. Ele disse que estava fora e a gente aceitou, só isso. Só acho que ele devia ter falado diretamente pra gente, não por uma revista sensacionalista. Não sei o que aconteceu, talvez tenha sido o fato de ele ter virado personagem de desenho animado [Rockstar Ghost, exibido pela MTV], ter ganhado um programa sobre futebol... ficou com uma auto-suficiência muito grande e achou que não precisava mais da banda."

Nasi: "Eles tentaram criar essa situação, o Edgard veio falar essa besteira de abandono de emprego... como diz o Romário, de boca fechada ele é um poeta. Eu até brinco, se foi abandono de emprego eu vou cobrar os 26 anos de FGTS que eles deixaram de recolher. E não fui eu quem abandonou a banda, foram eles que me abandonaram, entraram na Justiça, agiram como fantoches do meu ex-empresário. Eu briguei com ele, nós somos irmãos, mas não somos siameses."

Batalha judicial

Nasi: "Depois disso eles vieram para cima de mim, e tentaram se aproveitar do meu passado turbulento [ele se refere à ação de interdição judicial protocolada dia 25 de outubro pelo pai de Nasi, Airton Valadão. Esse tipo de medida é tomada quando a família considera que determinada pessoa não tem condições de responder pelos seus atos, em decorrência de acidentes, doenças ou vícios].

Essa foi a coisa mais suja de todas, na medida em que usaram o que eu tenho mais orgulho, a vida mais sadia que eu tenho, para inventar tudo isso. Meu irmão é um covarde, teve uma atitude rasputiniana, usar um senhor de 74 anos que mora no interior de Minas e nem sabe o que está acontecendo. Prova disso é que o advogado do meu pai é o mesmo que representa o Júnior.

Mas eu estou tranqüilo, teve audiência no dia 8 e foi indeferido o pedido de tutela. Não dou mais detalhes porque eu pedi segredo de Justiça. Mas adianto que posso me submeter a qualquer exame toxicológico na hora em que eles quiserem. Eles me deram a oportunidade de provar, para a decepção de alguns fãs mais radicais, que eu sou uma pessoa normal. Agora eu vou dar ao Júnior a oportunidade de ele provar que é um empresário honesto. Ele enriqueceu de forma meteórica nos agenciando, quero crer que por justeza e competência."

Scandurra: "O Nasi não usa mesmo drogas pesadas, mas o álcool também pode fazer muito mal. Eu estou sem fumar há três meses e fico fazendo furo no chão, de nervoso. Espero que ele consiga dar a volta por cima mesmo. Sobre as ações, eu não posso falar nada porque estão correndo em segredo de Justiça."

O Caderno G tentou entrar em contato com o empresário Airton Valadão Rodolfo Jr., citado várias vezes na reportagem, mas ele não retornou a ligação.

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