Vange Milliet e Suzana Salles, do Isca de Polícia| Foto: Clarissa Bertasso/Divulgação

Independente, alternativo, vanguardista e marginal. São muitas as camisas-de-força que prestam o desserviço de distanciar o público de uma inofensiva música violenta.

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Quando fui ver o show Nego Dito, no último domingo, no Teatro da Caixa, eu conhecia de Itamar Assumpção nada o bastante para poder assistir à apresentação de homenagem a ele – pela banda que o acompanhava, o Isca de Polícia – de peito aberto. De relance, lembrava da figura dourada do cantor e compositor, morto em 2003. Um artista "marginal", ou seja, um daqueles inclassificáveis – artistas que passaram ao largo da luta contra a opressão, a não ser àquela que sufoca o Desejo e a Liberdade. Como outros, Itamar tornou-se opaco com essas vestes.

Hélio Oiticica, também uniformizado, quando cunhou a frase do título deste artigo, "Seja marginal, seja herói", se referia a Cara de Cavalo, um bandido carioca que dizia roubar dos ricos para dar aos pobres, cuja vida e morte muito bem descreveu Zuenir Ventura no livro reportagem Cidade Partida. Oiticica dizia que sua referência ao bandido realçava a revolta do indivíduo contra o condicionamento social. Itamar Assumpção é puro individualismo positivo: um Eu entre os Outros. E, mais do que isso, intérprete da centena de milhares de Outros na floresta do Eu!

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Infelizmente não conheci Itamar, mas quando subiu ao palco uma voz que saía de sei-lá-onde arranhando um pungente "na sala, numa fruteira a natureza está morta: laranjas, maçãs e peras, bananas, figos de cera, decoram a noite torta" – era Ná Ozzeti em "Noite Torta" – algo me disse baixo ao ouvido: você é um cara de muita sorte! E o "Nego Dito" vive como faca de língua.

Itamar foi um herói, e foi marginal também. Ambos em um só. Porque na letra reside a trajetória de alguém que carrega nas mãos a virtude de viver, que chama o sofrimento para si e que não abre mão de desejar com todas as forças – à margem desse movimento particular e incessante que tenta depurar o indivíduo, esterilizar o cidadão-artista. "Ópios, edens, analgésicos, não me toquem nessa dor. Ela é tudo o que me sobra, sofrer vai ser a minha última obra", diz a música "Dor Elegante", composta com o nosso Paulo Leminski.

E não tente fugir cidadão-médio, os heróis-marginais uma hora ou outra irão bater à sua porta.