Nelson Leirner quer amordaçar o público, já que as pessoas não reagem politicamente: "Não há mais ideologia na arte, nem política. O discurso dos artistas só existe hoje se ele tiver um interlocutor", afirma ele, que inaugurou ontem para convidados no Itaú Cultural, em São Paulo, não uma exposição, mas o resultado da "Ocupação" que ele fez no espaço de cerca de 120 m· no piso térreo da instituição.
Com a liberdade total que o Itaú Cultural lhe deu para abrir o novo projeto da instituição para o local (que ainda vai receber José Celso Martinez Corrêa e Abraham Palatnik), Leirner escolheu colocar trabalhos emblemáticos de sua carreira, todos da década de 1960 "Porco Empalhado", "Tronco com Cadeira", "Homenagem a Fontana II" e "Stripencores" e fazer releituras contemporâneas dessas obras.
O diálogo entre os trabalhos reitera e faz reverberar seu pensamento: se não há mais espaço para a audácia na arte, deixe o público de castigo. Quando Leirner criou "Homenagem a Fontana", em 1967, a grande novidade do "primeiro múltiplo feito no Brasil, industrializado", como diz, era a de que o quadro, feito com tecido e zíperes, poderia ser manipulado pelas pessoas. De maneira irônica e bem-humorada, o artista fez menção, tal o título do trabalho, ao emblemático corte que Lucio Fontana promoveu na tela de um quadro como parte de sua pesquisa do conceito espacial na Homenagem do Brasileiro, cada área da pintura poderia, por assim dizer, se cortada camada por camada pela ação de se abrir o zíper.
Agora, na recriação atual dessa obra, não há como interagir: a composição, chapada, é toda feita com pedaços de madeira e ploter. Numa passagem rápida, tirar a brincadeira de seus trabalhos significa podar o caráter interativo de todas as obras. Num sentido mais amplo, significa ainda mostrar que não há espaço para a liberdade. "O trabalho de arte não pode mais ser interativo: as instituições e a sociedade proibiram isso porque agora aquela obra tem valor comercial. E se você chega ao trabalho e não pode mexer, é frustrante", diz.
Nelson Leirner está com 77 anos e ao longo de sua carreira se tornou uma referência da arte contemporânea brasileira. Foi professor de uma turma importante de criadores da chamada Geração 80 cita entre alunos próximos e com os quais tem relação de afeto Leda Catunda, Sergio Romagnolo, Dora Longo Bahia e Luiz Zerbini. A interrupção da interatividade nos diálogos entre as "Homenagens a Fontana" são sua ação mais visível, mas é emblemático também o artista ter optado por colocar "O Porco Empalhado" nessa mostra, obra que ficou conhecida como "happening da crítica" foi mandada para o 4º Salão de Arte de Brasília em 1967 e aceita e o artista perguntou publicamente por que um porco empalhado havia entrado para o circuito da arte.
Serviço
Nelson Leirner. Itaú Cultural (Avenida Paulista, 149, São Paulo), (11) 2168-1776. Das 10 às 21 horas. Sábados e domingos, até 19 horas (fecha na segunda-feira). Até 28 de junho.
Governistas querem agora regular as bets após ignorar riscos na ânsia de arrecadar
Como surgiram as “novas” preocupações com as bets no Brasil; ouça o podcast
X bloqueado deixa cristãos sem alternativa contra viés woke nas redes
Cobrança de multa por uso do X pode incluir bloqueio de conta bancária e penhora de bens