O escritor mineiro Rubem Alves afirmou em uma de suas obras que o luto compartilhado se torna comunhão. A frase rende uma boa analogia aos dois primeiros atos de Nem Um Dia Se Passa Sem Notícias Suas, apresentado nesta quinta-feira (29), na Mostra Oficial do Festival de Curitiba. Na trama, Edson Celulari interpreta Joaquim, um cardiologista que precisa organizar a casa em que cresceu depois que o pai morre. Ao lado do personagem estão, em momentos diferentes, o irmão e o filho ambos interpretados pelo ator Pedro Garcia Netto (sobrinho de Celulari).
A primeira cena abre com os versos da canção "Cheek to Cheek" - "Heaven, Im in Heaven" -, na voz de Fred Astaire, que ecoaram pelo auditório do Teatro Bom Jesus com ruído, graças ao som precário do local. Ao longo dos 60 minutos restantes do espetáculo, a música é uma espécie de condutor das memórias de Joaquim. Um indício de que parte do que se vê em cena é apenas sua imaginação.
O irmão do personagem, Juliano, não demora a aparecer. Revoltado com a pressa de Joaquim em se livrar dos bens materiais do pai, o personagem faz acusações, ofende e provoca o consanguíneo. O irmão releva, com muita paciência e carinho algo que até incomoda o público.
Depois de uma breve discussão, Celulari sai de cena e Netto se transforma em Miguel, o filho de Joaquim. A mudança testa o talento do ator, cuja relação se modifica com o companheiro de palco. Pai e filho são complacentes e entendem a ação um do outro. Por trás de tanta compreensão, o texto de Daniela Pereira Carvalho esconde o fato de que o jovem lembra os trejeitos de Juliano.
Conforme trocam intimidades, Joaquim revela que sente falta do irmão que mesmo morto, não deixa de dar notícias em seu coração. O tom piegas da frase é anulado pela revelação brutal: Juliano é a memória de um homem que se matou há mais de duas décadas.
A surpresa, que lembra muito a estrutura de um drama barato de Hollywood, sensibiliza o público. Em nenhum momento a história perde força no palco. Isso não só porque o elenco mantém a plateia presa com atuações magnéticas, mas também porque a direção de Gilberto Gawronski é altamente eficaz.
O diretor, que também traz ao festival a peça "Ato de Comunhão" na Mostra XXX, apresenta inúmeras pistas ao longo dos dois primeiros atos para que o público amarre a história. Um exemplo é a primeira aparição de Juliano, que sai das coxias arrumando cortinas brancas que, de relance, parecem sem funções cênicas. Obviamente são símbolos de que o personagem estava adormecido na subjetividade de Joaquim.
Quando Miguel deixa a casa do avô, o protagonista interpretado por Celulari está mais uma vez frente a frente com suas memórias. O terceiro ato é um acerto de contas, em que o personagem precisa resolver sentimentos relegados ao esquecimento durante anos. O luto compartilhado descrito por Rubem Alves já não é com mais com o irmão, mas com o público. E essa comunhão rendeu alguns minutos de aplauso no fim do espetáculo.
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