Documentário discute, sem concessões, o sistema penal brasileiro por dentro| Foto: Divulgação

Se em muitas esferas o Brasil almeja os índices de grandes potências econômicas, no que se refere à nossa população carcerária já estamos no pódio – e em franca ascensão: temos a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas de Estados Unidos e China. E as perspectivas são aterradoras: à medida que a superlotação dos presídios aumenta, os anseios punitivos recrudescem e quase um terço dos brasileiros presos ainda não foram sequer condenados.

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É esse cenário de crise institucional do sistema penal que Sem Pena, dirigido e montado por Eugenio Puppo, em cartaz no Itaú Cultural, em Curitiba, relata de maneira rigorosa e intensa. O documentário, feito em parceria com o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), traz testemunhos de juízes, promotores, advogados e especialistas do sistema de justiça criminal e expõe a etnografia subterrânea da vida prisional – a cena aérea dos presos andando feito zumbis na quadra de um ginásio penitenciário lembra algum cenário imaginado por George Orwell.

O filme é o resultado bem acabado de quatro anos de pesquisa e quase 280 horas de gravações. A câmera circula entre análises do estado atual do sistema carcerário brasileiro e depoimentos de pessoas que têm ou tiveram a liberdade cerceada – sem apelar para o maniqueísmo. Mais: com um exercício de montagem arriscadíssimo, sem mostrar os rostos, apenas imagens que operam como crônicas fotográficas. A trilha sonora de John Cage, com ares eletroacústicos, enfatiza o clima de angústia e desumanização.

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Sucursais do crime

Quando o professor da Faculdade de Direito da USP Alvino Augusto de Sá afirma que o grande litígio por trás do crime é a relação entre os possuidores e os não-possuidores, Sem Pena aproxima-se de uma constatação corriqueira, da encarcerização da pobreza. "Uma coisa que me abismava durante as audiências era como os juízes sequer olhavam o rosto dos réus, como se fossem números", afirma Puppo. "Não quis entregar um filme sobre o sistema, mas sim de histórias, que apresentasse um campo sensorial. A única pergunta que faço: prender tem resolvido?", indaga.

Ao discutir o encarceramento abusivo da pobreza e a forma como a violência é transformada em entretenimento – em última instância, ao dizer que polícia não é fábrica e que prender mais não está relacionado com segurança pública mais efetiva – Sem Pena amplia o debate e deixa um recado potente, evidenciado na última voz do documentário: se assim persistir, todos tombaremos.