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 | Montagem sobre foto de Carlos Humberto/STF: Adriano V. Carneiro/Gazeta do Povo
| Foto: Montagem sobre foto de Carlos Humberto/STF: Adriano V. Carneiro/Gazeta do Povo

Aplausos, vaias e apreensão

Como todo ator político, o Judiciário recebe críticas positivas e negativas por suas atuações mais expansivas, que roubam a cena dos outros personagens principais no palco institucional brasileiro. Já na trilha de abertura, um ponto digno de aplauso: ao ocupar o holofote do pouco inspirado Legislativo, ao menos o Judiciário garante a continuidade do espetáculo democrático.

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O Brasil vem assistindo a uma virada no enredo institucional do país. Nos últimos anos, o Poder Judiciário saiu dos bastidores e assume cada vez mais a postura de protagonista na vida democrática brasileira, desempenhando o papel de mantenedor da ordem jurídica que lhe foi atribuído pelo roteiro constitucional. "Esse quadro decorre do desenho institucional consagrado pela Consti­­tuição Federal de 1988. A Consti­­tuição não apenas conferiu ao Judiciário o estatuto de Poder, co­­mo lhe deu a atribuição fundamental de controle constitucional de leis e atos normativos. Além disso, a Consti­­tuição é muito abrangente. Toda e qualquer questão é passível de ser judicializada. Nesse sentido, o Judiciário se converteu num importante ator político", explica a cientista política Maria Tereza Aina Sadek, diretora de pesquisa do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais.

De fato, a atribuição principal do Judiciário é aplicar e interpretar as normas, sobretudo da Constituição, inclusive e especialmente em relação à atuação dos outros Poderes – mantendo o equilíbrio da democracia. "O Judiciário age como o guardião supremo do Estado. Sua função é frear atos arbitrários do Legis­­lativo e do Executivo", resume Fabiano Engelmann, professor de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Se­­gundo Sérgio Kalil, professor universitário de Direito, tal controle gera o que vem se chamando de judicialização. "A judicialização da política é consequência do controle de um poder sobre o outro poder", afirma Kalil.

Em poucas palavras, o fenômeno da judicialização consiste numa transferência de poder político para as instâncias judiciárias. "As principais evidências dessa judicialização são as decisões judiciais em questões que em outra época eram relegadas ao processo político majoritário, do Executivo e do Legislativo. Hoje, temos o Judiciário dando a última palavra em questões como o uso de células tronco-embrionárias para pesquisas, o nepotismo e o uso de algemas, por exemplo", aponta o advogado Luís Roberto Barroso, professor de Direito Cons­­titucional da Uni­­ver­­sidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Não bastasse uma atitude cada vez mais ativista dos magistrados, no sentido de buscar a realização das muitas promessas feitas pela Constituição, a expansão judicial ainda é fomentada diretamente pela deficiente atuação dos ou­­tros Poderes – sobretudo do Le­­gis­­lativo. "Uma causa mais direta é certa crise de representatividade e de funcionalidade do Legis­­lativo, que vive um momento difícil em boa parte das democracias, o que no Brasil é aumentado por um sistema eleitoral muito ruim, que está a exigir uma reforma política urgente. Além desse relativo esvaziamento do Legis­­lativo, há matérias de que os legisladores não querem tratar, pelo ônus político que isso representa. É por isso que, no Brasil e no mundo, questões polêmicas, como a das uniões homoafetivas, não estão na lei, estão judicializadas", pondera Barroso.

Essa atitude do Poder Legislativo, por vezes incompetente, por vezes omisso, deixa muitas lacunas – ocupadas às vezes pelo Executivo e, cada vez mais, pelo Judiciário. "Toda e qualquer instituição busca maior poder e, se encontra vácuos, essa tendência institucional encontra terreno muito favorável. O que tem ocorrido é que há um vácuo legislativo e o Judiciário está entrando por aí", analisa Maria Tereza.

Apesar de especialmente intensa no Brasil, por conta do Legislativo vacilante, a expansão judicial não é um fenômeno exclusivamente brasileiro. "Tal fenômeno ocorre no Brasil, nos Estados Unidos, na Europa. Isso porque as democracias constitucionais dão uma enorme importância aos direitos e, geralmente, o órgão chamado à realização dos direitos é o juiz", afirma o jurista italiano Pietro Costa, professor de História do Direito na Universidade dos Estu­­dos de Florença.

O movimento de judicialização vem sendo observado em boa parte do mundo desde o fim da Segunda Guerra Mundial – sobretudo após a assinatura da Declaração Universal dos Direi­­tos Humanos, pela Orga­­nização das Nações Unidas, em 1948, como resposta às atrocidades co­­metidas durante o conflito. É o que explica o jurista Dalmo Dal­­lari, professor de Direito Consti­­tucional da Universidade de São Paulo (USP), para quem a Decla­­ração redefiniu, em âmbito mun­­dial, o papel do Poder Judi­­ciário – que antes, a serviço das elites legisladoras, era um mero aplicador da lei, fosse a norma justa ou não.

"O Judiciário passou a ter responsabilidade de fazer Justiça, não apenas aplicar a lei", completa Dallari.

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