Edward O. Wilson, cientista da Harvard University famoso por seus estudos sobre formigas, subiu no palco em março de 2007, num TED Talk, para anunciar um projeto na área da biologia que ele mesmo descreveu como “uma viagem” : um catálogo de todas as formas de vida conhecidas no planeta.
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“Meu desejo é que trabalhemos juntos para ajudar a criar as principais ferramentas de que precisamos para inspirar a preservação da biodiversidade na Terra”, ele afirmou. “Iremos batizar este projeto de a ‘Enciclopédia da Vida’”. Wilson não foi o primeiro a conceber esta ideia, mas a sua visão foi a que vingou. Quando foi lançada online em 2008, a Enciclopédia da Vida ostentava impressionantes 30.000 páginas. A enciclopédia vem crescendo num ritmo de dezenas de milhares de espécies a cada ano. Se essa marcha constante for mantida, rumo ao objetivo de 1,8 milhão de espécies conhecidas, estima-se que o projeto leve cerca de uma década para ser concluído.
Porém há exploradores virtuais – livres dos limites de solicitações de verbas de pesquisa ou de rigor taxonômico – que vêm montando a sua própria versão dessa enciclopédia no jogo “No Man’s Sky”. E os jogadores de “No Man’s Sky” deixaram Wilson no chinelo. Da noite para o dia, eles descobriram 10 milhões de espécies alienígenas diferentes na galáxia, como comentou, via Twitter, Sean Murray, o cofundador da empresa inglesa de jogos Hello Games (ah, se o trabalho dos zoólogos fosse tão simples quanto só clicar nas criaturas que encontram em campo).
O QUE ESTÁ ACONTECENDO???
Mas Murray e seus colegas não fizeram sozinhos, aos milhões, a animação desses alienígenas virtuais – em vez disso, sua galáxia é povoada através de um programa de computador que gera criaturas novas o tempo todo.
No tweet de Murray, lê-se: “Por exemplo, da noite para o dia, 10 milhões de espécies foram descobertas no NMS... mais do que já descobrimos na Terra. O QUE ESTÁ ACONTECENDO???”
Esse simulador de exploração e sobrevivência especial é o lar de 18.446.744.073.709.551.616 planetas. No jogo, que está disponível já para PlayStation 4 e foi lançado em sua versão para PC nesta sexta-feira, o objetivo é nada mais, nada menos, que a expedição galática, à moda do Capitão Kirk ou Spaceman Spiff. Alguns dos 18 quintilhões de mundos em “No Man’s Sky” estão desertos (o tédio é, talvez, a crítica mais pesada que se pode direcionar a esse jogo recém-lançado). Outros deles são tóxicos. Os mundos mais exuberantes fervilham de dinossauros com tentáculos, vermes gigantes e bodes com cara de esquilo. A grande maioria dos planetas e criaturas que habitam a galáxia digital permanecerão sem jamais serem vistos por olhos humanos.
Os mundos mais exuberantes fervilham de dinossauros com tentáculos, vermes gigantes e bodes com cara de esquilo. A grande maioria dos planetas e criaturas que habitam a galáxia digital permanecerão sem jamais serem vistos por olhos humanos.
“No Man’s Sky” é um marco nos videogames – uma vasta galáxia, uma antecipação imensa e uma pequena equipe de programadores independentes. Para fazer a galáxia funcionar, no coração de “No Man’s Sky” bate um processo chamado de geração procedural. O grosso do trabalho é feito pelo computador. É como se a Hello Games tivesse criado uma réplica em Lego da Via Láctea, mas fabricando apenas as peças e as regras pelas quais elas se conectam.
“É mais ou menos como se a gente deixasse o jogo incompleto e ensinasse o software a terminar de projetá-lo enquanto alguém joga”, explicou Mike Cook, da Falmouth University, que é especialista sobre o assunto, para a Rolling Stone.
Superfórmula
Para fazer o truque dar certo, o “No Man’s Sky”, como comentou a New Yorker numa reportagem de 2015, depende de um algoritmo chamado Superfórmula, descoberto pelo botânico Johan Gielis (é possível que dependa até demais, talvez). A Superfórmula descreve tanto formas simétricas quanto assimétricas, como rochas e flocos de neve ou chifres de carneiro. “É um novo modo de descrever a natureza”, disse Gielis à revista Nature em 2003.
As formas de vida do jogo são uma série de quimeras, um remix de órgãos recriado o tempo todo, de novo e de novo, pelo sistema algorítmico. “O software basicamente verifica certos parâmetros e se pergunta que tipo de animal se dá com certo ecossistema, e então faz suas escolhas dentro de uma variedade de tipos possíveis. Com muita frequência, ele combina animais comuns – tipo, com o corpo de um leão, mas a cabeça de um rinoceronte e as patas de uma gazela”, disse Murray numa entrevista recente à revista Inverse. “Inventamos um sistema que equilibra o peso e faz o ajuste automático do esqueleto do animal. Para isso, tivemos que experimentar muito, para projetar direito os esqueletos, porque um animal com um corpo miúdo não pode ter uma cabeça imensa, do contrário ele não pararia em pé”.
Uma enciclopédia completa de “No Man’s Sky”, porém, jamais poderá existir. Mesmo uma viagem em que se passasse apenas um segundo em cada um dos planetas dessa galáxia virtual demoraria mais tempo do que resta de vida para o nosso sol do mundo real.
Não existe um roteiro pronto para nenhuma das interações entre as espécies, mas podem surgir cenários muito próximos dos da vida real. Conta Grant Duncan, o diretor de arte da Hello Games, que uma vez estava atirando em pássaros estranhos que voavam sob um céu alienígena (como em qualquer obra do gênero, os jogadores de “No Man’s Sky” são munidos de armas laser). O corpo fumegante de uma das aves que ele atingiu acabou caindo na superfície de um oceano. Como ele revelou à The Atlantic, foi então que um animal parecido com um tubarão surgiu das profundezas para se alimentar da presa abatida.
“A primeira vez que isso aconteceu”, diz Duncan, “eu fiquei totalmente estarrecido”.
300.000 taxonomistas
Murray tem razão – até certo ponto – ao comentar que os exploradores de “No Man’s Sky” superaram o ritmo dos biólogos da vida real. O número total de espécies que existem na Terra ainda é tema para discussão. Estima-se, em geral, que ele caia entre 3 e 100 milhões. Se incluirmos micróbios, essa estimativa pode chegar a um trilhão, como afirma uma reportagem de maio do The Washington Post. Um cálculo anterior, de 2011, considerado confiável, estimava que haveria 7,77 milhões de espécies animais. Se for assim, então 86% das espécies terrestres ainda estão por ser descobertas. Os pesquisadores por trás desse estudo sugeriram que completar um catálogo desses exigiria 300.000 taxonomistas, custaria bilhões de dólares e demoraria mais de mil anos.
Apesar de a taxonomia estar perdendo seus especialistas para a área da genética – a equipe de seis pesquisadores de entomologia do Smithsonian costumava ter o dobro de membros em 1970, como comentou seu curador, Terry Erwin, para o The Washington Post em 2011 – há boas notícias ainda no ramo da contabilidade de organismos terrestres. Se incluirmos naturalistas amadores lado a lado com os biólogos profissionais, então conta-se cerca de 50.000 pessoas no globo inteiro descrevendo novas espécies, um número maior do que em qualquer outro momento da história.
Uma enciclopédia completa de “No Man’s Sky”, porém, jamais poderá existir. Mesmo uma viagem em que se passasse apenas um segundo em cada um dos planetas dessa galáxia virtual demoraria mais tempo do que resta de vida para o nosso sol do mundo real.
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