Livro
O Escolhido Foi Você. Miranda July. Companhia das Letras, 208 págs., preço a confirmar. Lançamento na próxima sexta-feira, 22. Mais informações no site www.companhiadasletras.com.br
Desde que ganhou o prêmio de melhor diretora estreante no Festival de Cannes de 2005 com o experimental Eu, Você e Todos Nós, a cineasta, videomaker, performer e escritora norte-americana Miranda July, 39 anos, não parou de crescer. Miranda é um cruzamento híbrido de Robert Altman com Woody Allen, embora seja exagero colocá-la no mesmo patamar. Um bom termo de comparação talvez seja David Sedaris. Ela tem o mesmo senso de humor com a vantagem de levar a sério histórias tocantes que o último apenas usaria para fazer graça. Miranda July está de volta, não com um filme, e sim com um livro sobre pessoas sem muita sorte na vida: O Escolhido Foi Você, que a Companhia das Letras lança na próxima sexta-feira, 22. Em 2009, enquanto procurava um tema para seu segundo filme, Futuro, lançado há dois anos nos Estados Unidos, a escritora foi buscar inspiração nos classificados do Pennysaver, periódico especializado em pequenos anúncios, descobrindo um mundo povoado de freaks na diabólica Los Angeles.
Miranda July parece ter um ímã para atrair pessoas que perderam o eixo. Em seu filme Futuro, que escreveu, produziu, dirigiu e no qual atuou, a multiperformática aparece como uma professora de dança para crianças obcecada em criar uma coreografia que bombe na internet. Como se não bastasse, ela é casada com um técnico em telefonia que larga o emprego para salvar as árvores do mundo, pedindo donativos de porta em porta. Com um casal assim, não surpreende que eles peçam um mês para buscar a felicidade.
Lunáticos
Os personagens de O Escolhido Foi Você não são mais nem menos lúcidos. A primeira impressão do leitor é a de ter entrado num asilo de lunáticos. Seguindo os anúncios do Pennysaver, Miranda encontra um senhor de certa idade que resolve fazer uma operação para mudança de sexo e tem de vender uma jaqueta de couro a fim de conseguir juntar o dinheiro para a cirurgia. Também topou com uma ex-cantora que quer se desfazer de uma mala para ter mais espaço na casa, uma vez que tem de abrigar a filha e o neto. Detalhe: o neto é um nerd de 34 anos que vive com um manequim com a cara da atriz Elizabeth Hendrickson, encomendado por ele ao chefe da fábrica onde trabalha.
Pesquisando os classificados, Miranda chega à casa de Matilda, imigrante cubana que vende ursinhos carinhosos por US$ 2 e US$ 4. O irmão, solteiro, não faz nada. Coleciona fotos de garotas, prisões, bebês e carros de delegados. Domingo era muito pequeno ao entrar nos EUA. Veio ilegalmente com a irmã e a tia. Seu maior sonho era ser delegado de polícia. Como não foi bem nos estudos, ficou só na fantasia, que evoluiu. Ele, ainda sob tratamento psiquiátrico, diz a Miranda que agora quer ser juiz, mas tem consciência de suas limitações.
Domingo passa os dias numa Taco Bell perto de sua casa, onde consegue sempre uma soda grátis. Zanza pelas bibliotecas públicas para usar o computador e só volta para casa para organizar sua coleção de fotografias, dividida por tópicos (bebês, delegados, carrões, cadeias). Só troca as fotos quando sente necessidade de mudar os personagens que inventa para si. De todas as pessoas entrevistadas, Domingo é o mais pobre. E o mais perturbado. É o que os americanos chamam pejorativamente de loser (perdedor). Ao voltar para casa, analisando as fotografias dos entrevistados feitas por Brigitte Sire (algumas incluídas no livro), Miranda se dá conta de uma imagem comentada pelo próprio no calendário colado à parede: "Hoje é meu aniversário. Tenho 45 anos, um velho". Miranda comenta: "Supus que ter 45 anos pareceria a ele absolutamente implausível, considerando que não tinha mulher nem filhos nem emprego, nenhum dos acessórios da passagem do tempo como eles são descritos para todos nós".
As histórias de Miranda July são melancólicas como as de Alice Munro e têm personagens que poderiam ter saído dos livros de Flannery OConnor, mas faltam a elas a densidade literária da escritora canadense e a reflexão filosófica da sulista americana. Ficam no meio do caminho entre a reportagem e o ensaio sociológico. Sua última entrevista, com um ex-pintor de paredes octogenário, rende-lhe, enfim, o personagem procurado para seu filme. Joe, que vive do Serviço Social e costumava escrever limeriques obscenos para a esposa, agora vende cartões de Natal por US$ 1 cada.
Obviamente, Miranda não está interessada nos limeriques de Joe nem em suas histórias sobre seus bichos de estimação, mas acabou colocando em seu filme Futuro um gato visivelmente inspirado na história de Paw-Paw, o felino que passou a representar simbolicamente a relação amorosa do casal (real e fictício). Joe também participa do filme. Miranda gravou sua voz em off no papel da Lua. Foi o derradeiro representado pelo aposentado. Dois dias após finalizar a montagem de Futuro, ela voltou da Alemanha apenas para saber que Joe tinha morrido fazia dois dias. Carolyn, sua mulher, guardava suas cinzas numa lata de tinta. É lá que ela quer se juntar ao marido pintor.
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