Quase trinta anos depois da parceria Hirszman-Guarnieri, "eles" continuam a não usar black-tie em "No Olho da Rua", drama sobre relações pessoais e mercado de trabalho de Rogério Corrêa, diretor de médias e curtas há 36 anos, que estreia em longas.
Aqui, Murilo Rosa interpreta Otoniel, um metalúrgico pai de família que perde o emprego e, com o tempo, tudo mais que tinha em sua vida como consequência disso.
O roteiro, de Di Moretti a partir de um argumento do próprio diretor, tenta ser atemporal, embora uma referência à contratação do atacante Ronaldo pelo Corinthians coloque essa atemporalidade em xeque. Nisso reside uma grande fragilidade do filme. A ação poderia se situar nos anos de 1980, na época das famosas greves do ABC paulista, ou no final da década de 1990, quando a elevada taxa de desemprego no Brasil era notícia.
Mas, "No Olho da Rua" não está lá, nem cá. Está perdido, com um personagem intelectual, vivido por Leandro Firminino da Hora, que usa uma TV clandestina para protestar - quando hoje em dia, a Internet seria muito mais eficiente.
Otoniel é demitido sem qualquer explicação ou justificativa e, em protesto, corta o braço propositalmente com um estilete, perdendo assim seus direitos trabalhistas. Sua jornada, agora, é procurar um novo trabalho para sustentar o filho pequeno e a mulher grávida (Gabriela Flores). Não encontrando um novo trabalho, começa a fazer mudanças com a ajuda do cineasta vivido por Leandro que, ao mesmo tempo, documenta a trajetória do ex-metalúrgico.
"No Olho da Rua" é um filme com boas intenções e pesquisa. É perceptível o trabalho de Murilo Rosa, que investe no cinema com personagem distante dos galãs rurais que o fizeram famoso nas novelas da Globo. No entanto, há didatismo demais, explicações desnecessárias quando o filme pede silêncio, pois tudo está compreendido.
O filme de Leon Hiszman, baseado na peça homônima de Gianfrancesco Guarnieri, "Eles Não Usam Black-Tie", de 1982, estava colado à ascensão do movimento sindicalista do ABC. Naquela obra havia uma urgência, um retrato de uma época que, embora inspirada numa peça dos anos 1950, permanecia atual. O filme de Correa remete àquele longa, mas, agora, o presente é outro, a realidade do trabalhador e do mercado de trabalho mudou, e o filme não é capaz de captar isso - o que tira a sua relevância.
Ao final, "No Olho da Rua" deixa um ponto de interrogação sobre o seu discurso ingênuo. As boas intenções não são suficientes para alavancar o longa além daquilo que se vê na tela. Faltam força e vitalidade para ir além de contar a história de Otoniel - e nesse sentido, o filme de Hirszman, e o seu documentário, "ABC da Greve", mostram como se fazer filmes definitivos sobre questões sociais.
Moraes eleva confusão de papéis ao ápice em investigação sobre suposto golpe
Indiciamento de Bolsonaro é novo teste para a democracia
Países da Europa estão se preparando para lidar com eventual avanço de Putin sobre o continente
Em rota contra Musk, Lula amplia laços com a China e fecha acordo com concorrente da Starlink