Russel Crowe (de Gladiador) vive um Noé cheio de paixão e fúria| Foto: Divulgação

Cinema

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Se Moisés dividiu o Mar Vermelho guiando os judeus de volta à Terra Prometida, Noé, pelo menos na versão cinematográfica que estreou ontem nos cinemas brasileiros, vem causando outro tipo de cisão: tanto os críticos quanto o público têm se digladiado por causa do filme (veja o serviço completo no Guia Gazeta do Povo).

Há quem veja na superprodução de Darren Aronofsky (de Cisne Negro) apenas o delírio extravagante de um cineasta pretensioso que resolveu fazer um filme autoral, e tedioso, de US$ 125 milhões. Mas o longa-metragem também tem lá seus apaixonados defensores, para quem o diretor triunfou justamente por conseguir realizar, sem ceder às pressões de Hollywood, uma obra muito pessoal e reflexiva.

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Goste-se ou não de Noé, fato é que não se trata de um blockbuster genérico. Aronofsky busca na história do personagem bíblico, que ocupa poucas páginas do "Livro do Gênesis", no Antigo Testamento, substrato para uma releitura polêmica, por vezes confusa e sem foco, mas sempre instigante.

Vários países muçulmanos já baniram o filme, antes mesmo de vê-lo, por oposição à ideia de representação de alguém considerado como mensageiro ou profeta de Deus. Alguns segmentos cristãos nos Estados Unidos andaram protestando por um suposto desrespeito às escrituras. Fato é que toda essa controvérsia ajudou o filme a arrecadar quase US$ 44 milhões no último fim de semana, quando entrou em cartaz nos cinemas norte-americanos. Mais do que o previsto.

Vivido com paixão e fúria pelo neozelandês Russell Crowe (de Gladiador), Noé, que descende de Seth, um dos filhos de Adão e Eva, é retratado como um homem de temperamento determinado que mantém forte ligação com a natureza. Ele, sua mulher (Jennifer Connelly, de Uma Mente Brilhante) e filhos, vegetarianos e pacifistas, são o oposto dos que carregam o sangue de Caim: gente belicosa, carnívora, e até mesmo praticante do canibalismo. Há aí mais do que um dedo dos valores ideológicos de Aronofsky.

Enquanto o resto da humanidade dilapida os recursos naturais do planeta, e faz da violência um meio de subsistência, Noé recebe de Deus, por meio de seus sonhos, a incumbência de construir uma arca, na qual, com o auxílio de sua família, deverá salvar casais de todas as espécies existentes de animais de um grande dilúvio, que inundará o planeta e dará fim à espécie humana, para que haja um recomeço, sem os vícios e os erros cometidos pelos homens desde a expulsão do primeiro casal do paraíso.

O que se segue é bem mais do que o habitual confronto entre o bem e o mal. Por um lado, o filme é, de fato, um espetáculo algo fora de controle, em que o excesso dá o tom, inclusive nos efeitos especiais: são no mínimo duvidosos, por exemplo, os guardiões divinos da terra que parecem Transformers feitos de rocha com vozes cavernosas.

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Por outro lado, a jornada de Noé, um homem dividido entre o dever e o sentir, é por vezes hipnótica, suscitando reflexões que ecoam após o término da sessão e que tornam o filme uma obra que transcende o mero entretenimento. GG1/2