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Gênio e mito

Conheça um pouco mais sobre a vida e obra do sambista:

Trauma

Nasceu em 11 de dezembro de 1910. No parto, o uso do fórceps lhe causou um irreversível afundamento da mandíbula inferior.

Dom

Aprendeu a tocar bandolim de ouvido e tomou gosto pela música. Logo, passou ao violão. O passo seguinte foi adentrar a boemia carioca.

Pioneiras

Em 1929, as primeiras composições: "Minha Viola" e "Toada do Céu", gravadas por ele mesmo.

Fama

Em 1930, o sucesso bateu à sua porta com o lançamento de "Com Que Roupa?"

Doença

Começou a luta contra a tuberculose, mas a atração pela boemia tornava-se obstáculo intransponível.

Fim

Morreu em casa, em 1937, aos 26 anos, em decorrência da doença que o perseguia e de sua vida inconsequente.

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O tempo é o maior aliado para se avaliar a importância, a qualidade e a relevância histórica de artistas e de suas obras. Se foi original, genial, ele continua, sendo co­­mentado e ouvido. Se foi mais do mesmo, ou não encontrou sua vez no mundo, sucumbe e se perde no esquecimento e na mediocridade. Noel Rosa, que completaria 100 anos hoje, escreveu cerca de 230 músicas em um período de oito anos, já que começou a compor em 1929 e morreu precocemente – aos 26 anos –, em 1937.

Poeta branco do maxilar deformado por causa de um parto problemático, o carioca empunhou a bandeira do samba, o tirou do morro e ajudou a moldar o gênero tipicamente brasileiro com composições simples, mas sofisticadíssimas, que estavam à frente do seu tempo. Cantadas até hoje, são a prova de que Noel Rosa faz parte do primeiro grupo – daqueles que continuam ecoando por aí.

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"O que Noel Rosa deixou de mais importante foi a vontade de lutar pelo samba. Ele o colocou no consumo, no meio da sociedade, o popularizou", diz Martinho da Vi­­la, que neste ano lançou o CD Poeta da Cidade – Martinho da Vila Canta Noel, disco-homenagem ao ídolo e a uma de suas principais influências.

O que Martinho quer dizer é que Noel Rosa foi responsável por "urbanizar"o samba ao levá-lo dos morros ao asfalto das áreas mais desenvolvidas do Rio de Janeiro do início do século 20. Ao conseguir destruir o preconceito de que "samba é coisa de preto e de pobre", fez com que rádios prestassem atenção no gênero, que ganhava mais adeptos e espaço naquela sociedade.

Para isso, olhou para os lados. Viu, por exemplo, que a moça por quem poderia se apaixonar não era uma utopia, uma princesa perfeita, mas sim a garota que trabalhava na fábrica de tecidos – mote de "Três Apitos", uma de suas mais belas músicas. "Quando o apito na fábrica de tecidos/ vem ferir os meus ouvidos/ eu me lembro de você", canta o sambista.

Seu olhar para o cotidiano, sua simplicidade genuína – que influenciou principalmente Cartola, sambista que seguiu mais ou menos pelo mesmo caminho –, encontrava um contraponto na sofisticação de suas músicas. Ouça, por exemplo, "Positivismo". "A verdade, meu amor, mora num poço/ é Pilatos, lá na Bíblia, quem nos diz/ e também faleceu por ter pescoço/ o autor da guilhotina de Paris." Noel Rosa era preciso.

"Não sobra, não falta nada. Com pouco, Noel diz muito. É por isso que, 70 anos depois da sua morte, continuamos a tocar suas músicas. Ele fala das suas coisas, mas ao mesmo tempo, do universo de todos nós", diz o ator e cantor curitibano Márcio Juliano, que ano passado lançou Noël, disco que traz releituras inspiradas de suas músicas mais conhecidas. O trema no nome justifica a pesquisa histórica que Juliano fez antes de concluir o trabalho – que virou show e lotou teatros Brasil afora. "Naquela época ele era grafado assim", diz o cantor.

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Outro pulo do gato de Noel, conta Juliano, foi em relação à musicalidade. Elementos das escalas cromáticas – de 12 tons, fundamental na música do Ocidente –, ainda não explorados no samba foram utilizadas pelo carioca.

"O samba dos anos 1920 tinha uma influência bastante forte do maxixe e do xote, ritmos tradicionais naquela época. Era outra coisa. Noel, com sua musicalidade original e sua maneira de cantar, ajudou a moldar o samba tradicional, a defini-lo melhor", explica o cantor, que não titubeia ao responder como seria se Noel Rosa tivesse vivido pelo dobro do tempo. "A vida também é precisa nisso. Noel cumpriu o que precisava cumprir. A obra que deixou já é mais do que suficiente."