
Opinião
Grupo soa bastante artificial ao esconder sua essência intimista
Cristiano Castilho, editor-assistente do Caderno G
O primeiro flerte do Belle and Sebastian com a música eletrônica foi em "Electronic Rennaissance", quinta faixa de Tiger Milk (1996), álbum de estreia dos escoceses. Um loop de sintetizadores em desaceleração abre espaço para a voz dobrada de Stuart Murdoch, enquanto uma simples e deliciosa batida faz com que a pequena ode sobre a cena disco dos anos 1990 pareça meio perdida, exatamente no meio do daquelas outras nove canções extremamente intimistas.
A pegada eletrônica, marca maior do nono disco do sexteto mais indie do mundo, não é propriamente uma novidade, portanto. O que soa como um mundo extraterreno para quem se acostumou a melodias doces, violões quase bossa-novistas (eles são fãs de carteirinha de música brasileira e fazem cover de Mutantes) e letras com alma de crônica, é a apropriação exagerada de clichês duvidosos do gênero, como a introdução baladeira de "The Party Line" ou os teclados bregas que se somam às batidas preguiçosas de "Enter Sylvia Plath" faixa que não faria feio como música ambiente de alguma churrascaria.
Mas o que podem ser deslizes se analisarmos essas músicas em um panorama cronológico e histórico, na verdade são reflexos do momento artístico de seus integrantes. O baterista Richard Colburn, por exemplo, é DJ e curte gente como Giorgio Moroder (homenageado no último disco do Daft Punk) e Todd Terje. Stevie Jackson, guitarrista, além manter seu projeto solo, toca em uma banda que faz cover de clássicos da discothèque. É legítimo, mas talvez seja incoerente, já que seus fãs não imaginam ouvir a banda na balada. Pelo contrário: são do tipo que preferem bons fones de ouvido.
O disco fica menos estranho quando músicas como a ótima "Nobodys Empire" nos lembra da capacidade vocal de Stuart Murdoch (que na letra fala sobre sua síndrome da fadiga crônica) e dos arranjos criativos da banda; ou quando "Allie" sugere a ironia sofisticada do disco Dear Catastrophe Waitress (2003).
Curioso, no novo álbum, é pensar que o que soa fora de lugar é a singela "The Cat With the Cream" música composta ainda na década de 1990 , justamente a mais confessional e, digamos, mais Belle and Sebastian. Lembra a obra-prima If You Are Feeling Sinister, um dos 100 melhores discos dos anos 1990 para a Rolling Stone.
Girls in Peacetime Want to Dance é, enfim, um álbum que tenta driblar o tempo ao tentar se adequar forçosamente a ele. E a lição que a banda ensina é que ignorar a essência do que somos pode ser uma tremenda besteira.
Disco
Girls in Peacetime Want to Dance
LAB 344 (lançamento no Brasil até 31 de janeiro). Disponível no iTunes e no Spotify. Indie.
Com lançamento marcado para o fim do mês no Brasil (em CD, pelo selo LAB 344) e já disponível no Spotify, Girls in Peacetime Want to Dance é o nono álbum (e o primeiro em mais de quatro anos) do Belle and Sebastian, uma das bandas mais idolatradas do indie rock internacional.
Um rapaz e duas moças (uma com uma arma, outra com muletas), em tradicional foto em preto e branco, estão na capa do disco. Coisas que só o líder do grupo escocês o vocalista e compositor Stuart Murdochpoderá explicar, segundo informa o tecladista e um dos fundadores do B&S Chris Geddes.
"Era uma ideia que Stuart tinha há algum tempo, sobre uma garota que passou pela guerra e que foi transformada num robô. Os tempos de paz chegaram, ela quer dançar, mas tem aquelas pernas de robô, o que é meio trágico", conta ele. "Há, no disco, muitas canções para as pistas de dança com referências à guerra. Há, inclusive, um verso na faixa de abertura, 'Nobody's Empire', que diz: 'Se vivemos pelos livros e vivemos pela esperança, podemos virar alvo para a artilharia?'. Estava falando com Stuart que, à luz dos acontecimentos recentes [o ataque terrorista ao jornal satírico francês Charlie Hebdo], ela parece algo extraordinariamente profético. E a letra não foi escrita com pensamentos políticos, mas pessoais."
O novo disco chamou a atenção dos que acompanham o Belle and Sebastian pelo desembaraço com que os músicos se enfronharam no cânone do pop dançante eletrônico em faixas como "The Party Line" e "Enter Sylvia Plath".
"Já existia uma noção de como o disco iria caminhar. Quando Stuart chegou com 'Enter Sylvia Plath', ele não fez como de costume, que é mostrar a música no violão ou no piano. Ele me pediu para programar uma linha de baixo, e a partir dela é que começamos a arranjar a canção", conta Geddes.
"Esse longo hiato entre os nossos últimos discos se deve ao fato de Stuart ter feito um filme [o drama musical God Help the Girl, que teve exibição no ano passado no Festival de Sundance] no intervalo. Além disso, demoramos um pouco para escolher o produtor e para acertar com ele o cronograma de trabalho". Girls foi gravado em Atlanta, nos Estados Unidos, com o produtor Ben H. Allen, que trabalhou com artistas como Animal Collective e Cee-Lo Green.
Nas últimas semanas, a Matador, gravadora americana que lança os discos do grupo, liberou faixas no YouTube e em streaming. A estratégia retardou a chegada do álbum às lojas e não agradou ao tecladista. "Até ele sair, fizemos alguns retoques que normalmente não faríamos."
O Belle and Sebastian já está na estrada para promover o novo disco, em shows pela Austrália e pela Nova Zelândia. "No palco, uso o laptop para disparar as baterias eletrônicas e as sequências de sintetizadores das músicas. Em 'Sylvia Plath', são quatro teclados!," conta Geddes. "Em canções antigas, como "The Boy With the Arab Strap" [do álbum de mesmo título], nós voltamos ao instrumental antigo, com as guitarras de sempre."
>No palco
Banda se diz mais "profissional" e quer voltar ao Brasil em 2015
Os quase 20 anos de carreira (a banda foi fundada em 1996) contam bastante para a naturalidade que o Belle and Sebastian apresenta hoje nos shows. "No começo, éramos realmente meio amadores. Tínhamos um compositor fantástico, mas não éramos muito bons como banda. Hoje em dia, sinto-me bem mais profissional", admite o tecladista Chris Geddes.
Com shows agendados para este ano em alguns dos principais festivais de música do mundo, como os americanos Coachella e o Bonnaroo, o B&S desfruta de uma posição curiosa: é uma banda de grande popularidade, mas dentro dos estreitos limites do rock alternativo.
"Podemos tocar na Ásia e na América do Sul, nossa música se conecta com pessoas de todo canto. Ao mesmo tempo, estamos distantes do mainstream. Quando tocamos em festivais, conseguimos ver o porquê de bandas como Franz Ferdinand e The National seram maiores do que nós. A comunicação que elas conseguem estabelecer com o público é bem mais direta", acredita Geddes, reconhecendo que a banda tem fãs realmente comprometidos com sua visão artística. "Quando viemos ao Brasil pela primeira vez [em 2001, para o Free Jazz Festival] nunca escondemos a nossa paixão pela música do país. E as pessoas nos acolheram de uma forma muito afetuosa, o que nos deixou muito orgulhosos."
A volta da banda ao Brasil, onde esteve pela última vez em 2010, é uma possibilidade bastante concreta. "Com sorte, até o final do ano passaremos por aí", afirma o músico.
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