Com referências literárias em suas músicas intimistas, sexteto é responsável por álbuns históricos, como If You Are Feeling Sinister (1998). Último disco do grupo, no entanto, vai no caminho oposto| Foto: Divulgação

Opinião

Grupo soa bastante artificial ao esconder sua essência intimista

Cristiano Castilho, editor-assistente do Caderno G

O primeiro flerte do Belle and Sebastian com a música eletrônica foi em "Electronic Rennaissance", quinta faixa de Tiger Milk (1996), álbum de estreia dos escoceses. Um loop de sintetizadores em desaceleração abre espaço para a voz dobrada de Stuart Murdoch, enquanto uma simples e deliciosa batida faz com que a pequena ode sobre a cena disco dos anos 1990 pareça meio perdida, exatamente no meio do daquelas outras nove canções extremamente intimistas.

A pegada eletrônica, marca maior do nono disco do sexteto mais indie do mundo, não é propriamente uma novidade, portanto. O que soa como um mundo extraterreno para quem se acostumou a melodias doces, violões quase bossa-novistas (eles são fãs de carteirinha de música brasileira e fazem cover de Mutantes) e letras com alma de crônica, é a apropriação exagerada de clichês duvidosos do gênero, como a introdução baladeira de "The Party Line" ou os teclados bregas que se somam às batidas preguiçosas de "Enter Sylvia Plath" – faixa que não faria feio como música ambiente de alguma churrascaria.

Mas o que podem ser deslizes se analisarmos essas músicas em um panorama cronológico e histórico, na verdade são reflexos do momento artístico de seus integrantes. O baterista Richard Colburn, por exemplo, é DJ e curte gente como Giorgio Moroder (homenageado no último disco do Daft Punk) e Todd Terje. Stevie Jackson, guitarrista, além manter seu projeto solo, toca em uma banda que faz cover de clássicos da discothèque. É legítimo, mas talvez seja incoerente, já que seus fãs não imaginam ouvir a banda na balada. Pelo contrário: são do tipo que preferem bons fones de ouvido.

O disco fica menos estranho quando músicas como a ótima "Nobody’s Empire" nos lembra da capacidade vocal de Stuart Murdoch (que na letra fala sobre sua síndrome da fadiga crônica) e dos arranjos criativos da banda; ou quando "Allie" sugere a ironia sofisticada do disco Dear Catastrophe Waitress (2003).

Curioso, no novo álbum, é pensar que o que soa fora de lugar é a singela "The Cat With the Cream" – música composta ainda na década de 1990 –, justamente a mais confessional e, digamos, mais Belle and Sebastian. Lembra a obra-prima If You Are Feeling Sinister, um dos 100 melhores discos dos anos 1990 para a Rolling Stone.

Girls in Peacetime Want to Dance é, enfim, um álbum que tenta driblar o tempo ao tentar se adequar forçosamente a ele. E a lição que a banda ensina é que ignorar a essência do que somos pode ser uma tremenda besteira.

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Disco

Girls in Peacetime Want to Dance

LAB 344 (lançamento no Brasil até 31 de janeiro). Disponível no iTunes e no Spotify. Indie.

Com lançamento marcado para o fim do mês no Brasil (em CD, pelo selo LAB 344) e já disponível no Spotify, Girls in Peacetime Want to Dance é o nono álbum (e o primeiro em mais de quatro anos) do Belle and Sebastian, uma das bandas mais idolatradas do indie rock internacional.

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Um rapaz e duas moças (uma com uma arma, outra com muletas), em tradicional foto em preto e branco, estão na capa do disco. Coisas que só o líder do grupo escocês – o vocalista e compositor Stuart Murdoch–poderá explicar, segundo informa o tecladista e um dos fundadores do B&S Chris Geddes.

"Era uma ideia que Stuart tinha há algum tempo, sobre uma garota que passou pela guerra e que foi transformada num robô. Os tempos de paz chegaram, ela quer dançar, mas tem aquelas pernas de robô, o que é meio trágico", conta ele. "Há, no disco, muitas canções para as pistas de dança com referências à guerra. Há, inclusive, um verso na faixa de abertura, 'Nobody's Empire', que diz: 'Se vivemos pelos livros e vivemos pela esperança, podemos virar alvo para a artilharia?'. Estava falando com Stuart que, à luz dos acontecimentos recentes [o ataque terrorista ao jornal satírico francês Charlie Hebdo], ela parece algo extraordinariamente profético. E a letra não foi escrita com pensamentos políticos, mas pessoais."

O novo disco chamou a atenção dos que acompanham o Belle and Sebastian pelo desembaraço com que os músicos se enfronharam no cânone do pop dançante eletrônico em faixas como "The Party Line" e "Enter Sylvia Plath".

"Já existia uma noção de como o disco iria caminhar. Quando Stuart chegou com 'Enter Sylvia Plath', ele não fez como de costume, que é mostrar a música no violão ou no piano. Ele me pediu para programar uma linha de baixo, e a partir dela é que começamos a arranjar a canção", conta Geddes.

"Esse longo hiato entre os nossos últimos discos se deve ao fato de Stuart ter feito um filme [o drama musical God Help the Girl, que teve exibição no ano passado no Festival de Sundance] no intervalo. Além disso, demoramos um pouco para escolher o produtor e para acertar com ele o cronograma de trabalho". Girls foi gravado em Atlanta, nos Estados Unidos, com o produtor Ben H. Allen, que trabalhou com artistas como Animal Collective e Cee-Lo Green.

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Nas últimas semanas, a Matador, gravadora americana que lança os discos do grupo, liberou faixas no YouTube e em streaming. A estratégia retardou a chegada do álbum às lojas e não agradou ao tecladista. "Até ele sair, fizemos alguns retoques que normalmente não faríamos."

O Belle and Sebastian já está na estrada para promover o novo disco, em shows pela Austrália e pela Nova Zelândia. "No palco, uso o laptop para disparar as baterias eletrônicas e as sequências de sintetizadores das músicas. Em 'Sylvia Plath', são quatro teclados!," conta Geddes. "Em canções antigas, como "The Boy With the Arab Strap" [do álbum de mesmo título], nós voltamos ao instrumental antigo, com as guitarras de sempre."

>No palco

Banda se diz mais "profissional" e quer voltar ao Brasil em 2015

Os quase 20 anos de carreira (a banda foi fundada em 1996) contam bastante para a naturalidade que o Belle and Sebastian apresenta hoje nos shows. "No começo, éramos realmente meio amadores. Tínhamos um compositor fantástico, mas não éramos muito bons como banda. Hoje em dia, sinto-me bem mais profissional", admite o tecladista Chris Geddes.

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Com shows agendados para este ano em alguns dos principais festivais de música do mundo, como os americanos Coachella e o Bonnaroo, o B&S desfruta de uma posição curiosa: é uma banda de grande popularidade, mas dentro dos estreitos limites do rock alternativo.

"Podemos tocar na Ásia e na América do Sul, nossa música se conecta com pessoas de todo canto. Ao mesmo tempo, estamos distantes do mainstream. Quando tocamos em festivais, conseguimos ver o porquê de bandas como Franz Ferdinand e The National seram maiores do que nós. A comunicação que elas conseguem estabelecer com o público é bem mais direta", acredita Geddes, reconhecendo que a banda tem fãs realmente comprometidos com sua visão artística. "Quando viemos ao Brasil pela primeira vez [em 2001, para o Free Jazz Festival] nunca escondemos a nossa paixão pela música do país. E as pessoas nos acolheram de uma forma muito afetuosa, o que nos deixou muito orgulhosos."

A volta da banda ao Brasil, onde esteve pela última vez em 2010, é uma possibilidade bastante concreta. "Com sorte, até o final do ano passaremos por aí", afirma o músico.