O Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto chegou ao fim ontem seguindo tendências que vão em direção contrária às fórmulas prontas e aos espetáculos comerciais que pipocam nas produções brasileiras.

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A investigação de novas linguagens tomou corpo em espetáculos estrangeiros, como o excelente Braakland, da Holanda, em que a ação ocorria a 50 metros da platéia, para avivar a sensação de distanciamento entre as pessoas ilustradas pela trama. Da França, Les Squames trouxe um trabalho primoroso de linguagem corporal e caracterização. O grupo Kumulus instalou-se em uma jaula no centro da cidade (depois deslocada para o zoológico), para que o público pudesse observar os "hábitos" dessa "espécie de hominídeos selvagens". Pena que a linguagem cuidada maquiava a falta de conteúdo.

O Homem Provisório (foto) foi uma das principais representantes nacionais dedicadas à pesquisa de linguagem. A Casa Laboratório para as Artes do Teatro, sob a direção de Cacá Carvalho, e com a colaboração da Fondazione Pontedera Teatro, fez uma expedição pelo sertão do Cariri em busca de referências para contar a história de Grande Sertão: Veredas (obra-prima de Guimarães Rosa). Lá, encontraram o cordelista Geraldo Alencar, que reescreveu a história ao ritmo do cordel, e tiveram a inspiração para uma das cenografia mais bonitas da programação do evento.

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Camadas de cortinas translúcidas, ilustradas por xilogravuras, réplicas das cabeças dos atores decepadas e o figurino sertanejo impressionam nas desventuras de Riobaldo e Reinaldo (Diadorim), recriando o universo poético da obra inspiradora. O espetátulo deixa a dever em termos de dramaturgia da metade em diante, sobrando apenas o impacto visual como consolo.

O papel do espectador

A quem a idéia de encenação teatral ainda remete a atores de um lado e público do outro, Rio Preto ensina que os limites do teatro contemporâneo podem subverter completamente essas relações cristalizadas.

Na mesa redonda O Teatro sem Território: Poéticas do Espaço, o argentino Ariel Dávila, criador de Audiotour Ficcional, ouviu a pergunta: por que o espetáculo é considerado teatro? Audiotour, de fato, revira os pressupostos convencionais ao fazer com que o participante obedeça às instruções de uma gravação durante um passeio sozinho pelas ruas do centro. A cidade é o cenário, não há palco. Tampouco há espectador, mas sim um indivíduo com um papel a seguir que se torna o único personagem visível.

Aqui Ninguém É Inocente, da companhia Linhas Aéreas, também ocupa a a cidade com uma proposta que renova as relações entre atores e público. Começou como um exercício, em que os atores saíam às ruas com regras a serem seguidas, algo tão simples quanto "sempre que vir alguém de roupa vermelha, vire à esquerda". Nessa dinâmica, o grupo colecionou diálogos e personagens. Em seguida, estabeleceu uma experiência em que o público entrevistaria os personagens (um mendigo, um argentino, uma mulher "fogosa", etc) sem saber que eles eram atores, de maneira a expor as vicissitudes da platéia. Uma experiência na fronteira do teatro.

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Tropeço

A única companhia curitibana a figurar na programação foi a Obragem Teatro e Cia, da diretora Olga Nenevê, que dividiu opiniões com a peça infantil Tuíke, e teve um desempenho abaixo do esperado no espetáculo de rua O Ponto Imaginário. Os diálogos, inacreditavelmente, eram gravações dubladas pelo elenco. Alguns personagens portavam patins, que, em vez de funcionarem como artifícios para enriquecer as cenas, fizeram os atores quase tropeçar na calçada de petit-pavê, durante a primeira apresentação. A sucessão de escolhas equivocadas apagou o lirismo buscado pelo grupo.

O Festival de São José do Rio Preto 2007 teve ainda presenças ilustres. O Teatro da Vertigem, de Antônio Araújo, levou ao palco a leitura cênica de História de Amor (Últimos Capítulos), um trabalho interessante por jogar com o processo de criação teatral – e incomparavelmente mais suave do que os anteriores realizados pelo grupo, como BR3, apresentado em pleno Rio Tietê. José Celso Martinez encenou Vento Forte para Papagaio Subir, seu primeiro texto, de 1958.