Você acha que a tese da crítica norte-americana se aplica no contexto da poesia brasileira hoje? A "lírica delicada da autoexpressão e da fala direta" é dominante aqui?
Meu palpite é que a poesia brasileira, depois das experimentações do concretismo, fez um retorno à lírica a que Perloff e os conceituais chamaram de "expressiva". O nosso Leminski me parece ser o exemplo principal dessa figura de pivô, tendo primeiro saído na revista Invenção, do Décio [Pignatari], e escrito o Catatau, depois se voltado para a poesia pop pela qual é mais conhecido. Não quer dizer que houve um regresso, mas parece que, por algum motivo, os nossos poetas, após absorverem as influências do concretismo uma poética que poderíamos enquadrar como "não-expressiva", nos termos da Perloff preferiram revisitar uma lírica mais "tradicional", por assim dizer, em vez de levar a experimentação adiante. De vez em quando, eles flertam e brincam com a não expressividade, mas não de forma intensiva e certamente sem fazer qualquer maior alarde sobre a prática.
A levar pelo enfoque da Perloff, o leitor pode achar que procedimentos como "apropriação, citação, cópia, reprodução" são práticas textuais recentes, que tiveram origem nas vanguardas, quando são tão antigas quanto a própria literatura.
De fato, talvez para um leitor leigo, possa ficar a impressão de que essas técnicas sejam invenção moderna e, certamente, alguns ensaios sobre exemplos mais antigos poderiam ser um belo complemento ao livro. O que acho que ela quis fazer neste livro foi dar um enfoque mais moderno mesmo, na medida em que essas coisas todas, de cópia e reprodução, vêm sendo cada vez mais presentes não só na literatura mas na sociedade mesmo. Hoje, temos a internet, e qualquer um pode se tornar um colagista em minutos via Twitter e Tumblr. Não tenho dúvida de que hoje nós lidamos com isso numa escala e intensidade que era impensável nos séculos anteriores, e isso deve ter um reflexo na forma como lidamos e produzimos literatura.
O capítulo dedicado à poesia concreta é importante por seu resgate no contexto da era digital, mas parece meio deslocado da tese central de Perloff, já que citação, colagem e apropriação nunca foram os paradigmas centrais abraçados pelo grupo paulistano.
Imagino que a questão da inserção da poesia concreta (bem como da Oulipo) seja menos por conta das técnicas de apropriação e reprodução e mais pela coisa da não expressividade. A meu ver, a poesia concreta se constrói a partir da palavra jogada no papel e de como você pode manipulá-la: via anagramas, recombinações, decomposições, etc. Nesse sentido, ela não é expressiva. Um poema como "A Máquina do Mundo" de Drummond, por exemplo, é expressivo, e pode-se dizer que ele tenha um tema: ele é sobre alguma coisa (no caso, para ser breve, uma revisitação moderna dos anseios que vêm desde a antiguidade por alguma coisa que dê uma total explicação da vida). E, assim, a experiência e o desejo de alguma transmissão dessa experiência em algum grau antecede o poema. Já o texto oulipiano e a poesia concretista e outros experimentos conceituais são gerados (acho que essa é a palavra-chave) por algum procedimento que, pelo menos supostamente (a ênfase aqui é no supostamente), excluiria esse desejo. Outro motivo que eu imagino que justifique a inclusão do capítulo sobre o concretismo no livro é a preocupação com a questão das vanguardas. Acho que é importante fazer esse esforço de situar criticamente a poesia concreta dentro desse quadro mais amplo das vanguardas do século, e a noção dela do concretismo como retaguarda em vez de vanguarda me parece das mais úteis.
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