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Jason Segel (à dir.) interpreta David Foster Wallace no filme “O Fim da Turnê”. | /Divulgação
Jason Segel (à dir.) interpreta David Foster Wallace no filme “O Fim da Turnê”.| Foto: /Divulgação

David Foster Wallace ficou conhecido por usar muito e de jeitos inesperados um recurso pouco comum na literatura: a nota de rodapé.

Numa das notas de “Ficando longe do fato de já estar meio que longe de tudo”, a sexta delas, depois de explorar as principais ferramentas do ensaio pessoal (baseadas no tripé intimidade-confiança-sinceridade), Wallace resolveu estraçalhar uma das mais prezadas por Phillip Lopate, a “modéstia irônica”, definida como um modo-padrão de funcionamento do ensaísta. E peço licença para repetir: isso tudo – explorar bem todas as ferramentas e estraçalhar uma delas – ele fez numa única nota de rodapé. Aliás, notas de rodapé se revelam uma maneira ótima de puxar o leitor num canto e fazer um comentário ao pé do ouvido, aumentando a intimidade (algo valioso para um ensaio pessoal).

Para tentar mostrar o que ele fez na tal nota de rodapé, seria legal se você a lesse na íntegra. A nota é relativamente longa e funciona como um aparte sobre o turismo praticado por americanos dentro dos Estados Unidos:

Jornalista faz o quê?

Boa parte do jornalismo (e uma parte realmente boa dele) vive do negócio de vender experiências; nesse mercado, o escritor David Foster Wallace é único e imitado por muitos exatamente por isso

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“Na verdade, muitas coisas podem ser ditas a respeito das diferenças entre a população de classe trabalhadora de Rockland e o sabor acentuadamente populista do seu festival versus a confortável e elitista Camden [as duas comunidades da região em que ocorre o Festival da Lagosta] com sua paisagem caríssima, suas lojas tomadas inteiramente por suéteres de 200 dólares e fileiras de casas vitorianas transformadas em pousadas de luxo. E também a respeito dessas diferenças como os dois lados da grande moeda que é o turismo nos Estados Unidos. Muito poucas delas serão ditas aqui, exceto para amplificar o paradoxo supramencionado e revelar as preferências pessoais deste correspondente. Confesso que nunca entendi por que a ideia de férias divertidas de tantas pessoas é calçar chinelos e óculos de sol e se arrastar por um tráfego enlouquecedor até locais turísticos quentes e lotados com o intuito de provar um “sabor local” que por definição é arruinado pela presença de turistas. Isso tudo pode (como meus companheiros de festival não se cansam de apontar [ele se refere aos pais e à namorada que o acompanham]) ser uma questão de personalidade e gostos inatos: o fato de eu não gostar de locais turísticos significa que nunca vou compreender seu encanto, e assim provavelmente não sou a pessoa indicada para falar sobre isso (o suposto encanto). Mas como é quase certo que esta nota de rodapé não vai sobreviver ao editor da revista, aqui vai: Do meu ponto de vista, é provável que ser turista faça mesmo algum bem para a alma, mesmo que apenas de vez em quando. Não que faça bem para a alma de algum modo revigorante ou alentador, todavia, mas de um jeito severo e obstinado de vamos-encarar-os-fatos-com-honestidade-e-tentar-encontrar-um-modo-de-lidar-com-eles. Minha experiência pessoal não é a de que viajar pelo país seja relaxante ou amplie horizontes, ou de que mudanças radicais de lugar e contexto tenham um efeito salutar, mas sim de que o turismo intranacional é radicalmente constritivo e humilhante da pior forma – hostil à minha fantasia de ser um indivíduo genuíno, de viver de algum modo fora e acima de todo o resto. (Agora vem a parte que meus companheiros julgam especialmente infeliz e repelente, um modo garantido de arruinar qualquer diversão em uma viagem de férias:) Ser um turista massificado, para mim, é se tornar um puro americano contemporâneo: alheio, ignorante, ávido por algo que nunca poderá ter, frustrado de um modo que nunca poderá admitir. (...) É confrontar, em filas e engarrafamentos, transação após transação, uma dimensão de si mesmo tão inescapável quanto dolorosa: na condição de turista você se torna economicamente significativo mas existencialmente detestável, um inseto sobre uma coisa morta.”

(Trecho de “Ficando longe do fato de já estar meio que longe de tudo”, traduzido por Daniel Pellizzari e Daniel Galera.)
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