Com um programa inteiramente dedicado à obra do compositor romântico austríaco Franz Schubert, a Camerata Antiqua de Curitiba realizou um notável trabalho de divulgação de um repertório raríssimo. A produção deste compositor, que viveu apenas 31 anos, foi extraordinária tanto no volume quanto na qualidade. O destaque maior, porém, está nas suas canções, cerca de 600, a maior parte para voz e piano, sobre textos de poetas de língua alemã, com destaque para Johann Wolfgang von Goethe.
Dentro deste gênero, que é a canção alemã conhecida por "Lied", o compositor também explorou o canto coral. A diferença dessa forma musical levada às últimas consequências por Schubert, é que o piano não é um mero acompanhador do canto, mas uma voz complementar que dá brilho, caráter e enriquece sobremaneira as palavras cantadas. Nesse aspecto, a primeira parte do concerto da Camerata, dedicada a um repertório acompanhado por piano, esteve impecável, por meio das mãos de Clenice Ortigara, correpetidora do coro, e notável solista. O programa consistiu na primeira parte de obras raramente executadas, até mesmo na Europa.
O que mais se destacou nessa seleção de composições para coros diversos com solistas foi a bela sonoridade das vozes masculinas, algo também raro, pelo menos em Curitiba. Logo na primeira peça, "O Gondoleiro", o impacto emocional foi grande. Na segunda obra apresentada, que deveria ser mais apropriadamente traduzida como "Clarão da Noite" (Nachthelle), não somente o coro masculino mostra a sua garra, mas o tenor solista, Maico SantAna, foi simplesmente arrebatador.
Na sequência, uma serenata (Ständchen). Desta vez, as vozes femininas do coro fizeram o contraste timbrístico numa obra mais intimista. O solo de Ariadne Oliveira foi muito emocionante e tecnicamente competente, como é de hábito dela, uma das grandes profissionais do canto no país, atualmente. Mas, o coro feminino soou muito acanhado. Embora se trate de obra de emoções mais contidas, as vozes pareciam relutantes. Na cantata "Canto de Vitória de Miriam", sobre um texto bíblico, tem-se a impressão de uma obra na qual falta alguma coisa. Schubert foi um miniaturista primoroso, mas as suas obras de maior fôlego são irregulares. Nessa peça, a escrita do piano soa insuficiente para a carga dramática que o compositor quis dar à obra. Um acompanhamento orquestral certamente teria enriquecido a massa sonora pouco contrastante do coro. De qualquer maneira, a parte solista de Luciana Melamed foi muito cativante.
A última obra da primeira parte, "Canto dos Espíritos da Águas" foi o ponto alto do concerto. Essa é uma das composições mais originais do compositor. Com uma instrumentação muito peculiar de duas violas, dois violoncelos, contrabaixo que acompanham um coro masculino, Schubert trabalha o texto de Goethe de forma magistral, fazendo com que a música sublinhe e enriqueça a poesia de caráter filosófico sobre a existência humana. O conjunto conseguiu criar uma atmosfera transcendental no ambiente acusticamente irregular da Capela Santa Maria.
Na segunda parte do programa, foi apresentada a Missa N.º 2, em Sol Maior. Bem mais conhecida, essa missa apresenta elementos de grande dramaticidade e amadurecimento dentro de uma abordagem ainda classicista. A interpretação da Camerata Antiqua de Curitiba foi excelente e na Missa N.º 2 contou com belos solos de Luísa Favero, Alexandre Mousquer e Cláudio de Biaggi. Com o melhor conjunto de solistas que já teve até hoje, um coro cantando com segurança e conforto um repertório que talvez lhe seja tecnicamente o mais apropriado, acompanhados por uma orquestra vibrante, diria que foi a melhor interpretação dessa obra que já tive a oportunidade ouvir. Uma nota muito especial para o maestro Osvaldo Colarusso, que não somente regeu com toda a verve e cuidado para com as características da música, mas também se deu ao trabalho de explicar muito cuidadosamente as obras para o público, além de escrever e traduzir os textos originais alemães no programa.
Deixe sua opinião