Neste fim de semana cinzento, vai cair uma tempestade no palco do Teatro Guaíra. A chuva é uma das marcas inconfundíveis de Will Eisner, grande ícone dos quadrinhos, cuja obra inspirou a peça Avenida Dropsie, de Felipe Hirsch, que o Circuito Cultural Banco do Brasil traz a Curitiba hoje, às 21 horas, e amanhã, às 20 horas.
A tão falada tempestade é apenas parte do visual impactante criado pela cenógrafa Daniela Thomas para concretizar no palco as imagens retratadas por Eisner em suas graphic novels as famosas histórias seqüenciais criadas pelo artista, que funcionavam como verdadeiras crônicas urbanas. O cenário é um imenso edifício que ocupa em altura e largura todo o espaço cênico do Guairão. Pelas janelas deste imóvel velho e decadente, o público vai "espiar" a vida dos moradores solitários enquanto os habitués da Avenida Dropsie circulam logo à frente.
O único teatro em Curitiba capaz de abrigar este cenário, contabilizado em seis toneladas, é o Guairão, embora ele ainda não seja o espaço ideal para uma montagem deste porte. "Nenhuma companhia independente e sem patrocínio, como é o nosso caso, faz um espetáculo desse tamanho", conta Hirsch. Junto a Guilherme Weber, ele criou, em 1993, a Sutil Companhia de Teatro, considerada hoje uma das mais importantes do país. O ator participa da peça ao lado de outros sete atores: Érica Migon, Leonardo Medeiros, Magali Biff, Maureen Miranda, Mauro Zanatta, Paulo Alves e Duda Mamberti.
O aparato tecnológico é comum a quase todas as montagens de Hirsch, mas está sempre muito ligado à dramaturgia. "A partir do momento que você tem uma boa idéia e cria um conceito em cima dela, tudo está valendo", explica o diretor. Em Avenida Dropsie, a chuva de cerca de 15 minutos ininterruptos concretiza um elemento quase fixo nos quadrinhos de Will Eisner. Ficou tão famosa que ganhou até nome: os "borrifos de Eisner". Muito interessado em pesquisar novas linguagens para o teatro, desta vez, Hirsch não se interessou em aplicar a linguagem dos quadrinhos ao espetáculo. Pre-feriu dar conta do "personagem" Will Eisner, uma de suas leituras preferidas da juventude. "Eu não queria usar imagem de projeção para os desenhos, porque isso Eisner faz muito bem bastaria ler os quadrinhos. Concluí que a única presença possível dele seria a das palavras. O resto seria concretizado no palco."
As palavras de Will Eisner foram muito bem captadas por um dos maiores atores brasileiros, Gianfrancesco Guarnieri, falecido no ano passado. Ele gravou trechos das memórias do quadrinhista norte-americano para serem utilizadas como narração em off ao longo do espetáculo. Sem nem ao menos ter assistido aos ensaios, Guarnieri surgiu, de repente, com a gravação pronta. "Foi quase como se ele tivesse nos contado como o espetáculo deveria ser feito. Ele deu ao espetáculo uma outra respiração, outro ritmo", conta o diretor.
A memória é um dos temas freqüentes de pesquisa da Sutil Companhia de Teatro. Coincidência ou não, Will Eisner criava basicamente em cima de suas lembranças infantis. O desenhista do herói The Spirit passaria a utilizar crescentemente elementos de sua própria vida no Bronx, bairro nova-iorquino onde cresceu em meio a imigrantes judeus (como ele próprio). Os cenários urbanos inspirados na big apple foram perfeitos para retratar a vida de grupos de pessoas comuns, a solidão das grandes metrópoles, a luta dos judeus por dias melhores.
Outro apaixonado pela vida nos grandes centros, Felipe Hirsch conta que pretendeu compor o espetáculo utilizando-se basicamente de imagens deste universo "eisneriano", como se as fotografasse. "Tudo nesse espetáculo deveria ser mais poético, mais subjetivo, emocional", conta. Por isso, não há histórias, mas "instantâneos" do cotidiano de pequenos grupos de gente solitária: judeus ortodoxos que conversam numa esquina, punks, amigos em um aniversário de imigrantes, os dead heads (grupo que gostavam de ouvir Dreadful Dead e Jerry Garcia), pessoas que voltam para casa nos vagões dos metrôs. "Sempre fui fascinado por janelas iluminadas à noite, por pessoas que sentam para olhar pessoas, por comunidades gigantescas como São Paulo, onde há sempre muita solidão. Isso é muito verdadeiro e intenso na obra de Eisner", conta Hirsch.
Avenida Dropsie teve temporada de oito meses em São Paulo, foi considerado o melhor espetáculo do ano no Rio de Janeiro e recebeu várias indicações ao Prêmio Shell. Felipe Hirsch (que não produz em Curitiba desde 2000), espera que esta seja a retomada de uma relação mais estreita com a cidade. O público agradece.
Serviço: Avenida Dropsie. Guairão (Pça. Santos Andrade, s/n.º), (41) 3315-0979. Direção de Felipe Hirsch. Com a Sutil Companhia de Teatro. Dia 4, às 21 horas, e dia 5, às 20 horas. R$ 15 e R$ 7,50 (estudantes, idosos e clientes com cartão do Banco do Brasil, com 2 quilos de alimento não-perecível).
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