“Rei” Leal (Antonio Fagundes) e as três filhas: Cornélia, Goretti e Regeane| Foto: Isac Luz/TV Globo
Leonardo Medeiros e Jairo Mello em loja que lembra a Galeria do Rock

Inovar quando o assunto é telenovela não é tarefa fácil. A última experiência bem sucedida foi A Favorita, folhetim de João Emanuel Carneiro, que acertou ao reduzir as tramas paralelas e o número de personagens, fortalecendo o conflito central da trama: o enfrentamento entre Flora (Patrícia Pilar) e Donatela (Claudia Raia), ex-integrantes de uma dupla sertaneja, criadas como irmãs, mas separadas por ciúme, inveja e ressentimento.

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Uma nova tentativa de renovar o formato teledramatúrgico é a atual novela das 19 horas, Tempos Modernos. Assinada pelo autor teatral Bosco Brasil, da premiada peça Novas Diretrizes para Tempos de Paz, foi vendida pela Globo, em um primeiro momento, como uma trama construída em torno da necessidade que vivermos hoje numa realidade vigiada, no caso, por um computador chamado Frank(enstein).

A máquina, que evoca o filme 2001 – Uma Odisseia no Espaço, é o guardião tecnológico de um grande condomínio, de propriedade de Leal (Antonio Fagundes), viúvo e pai de três filhas, Goretti (Regiane Alves), Regeane (Vivianne Pasmanter) e Cornélia (Fernanda Vasconcellos). Começam aí as diferenças de Tempos Modernos. Qualquer semelhança com Rei Lear, clássico de Shakespeare, não é coincidência: asssim como o monarca da peça, o personagem da novela, que muitos chamam de "rei", também se vê numa malha de intrigas tecidas entre suas crias.

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Bosco Brasil, sabendo da vocação cômica do horário em que sua novela vai ao ar, também minimiza o melodrama, mas não o anula, o subvertendo um pouco. Prova é o fato de o casal principal, Cornélia (ou Nelinha) e Zeca (Thiago Rodrigues), se apaixonar sem saber que ambos são filhos de Leal, que estaria com uma doença incurável. Quando a "verdade" vem à tona, os dois se separam e tentam transformar o que sentem em amor fraternal, colocando-se sempre à beira do incesto. Como mandam as convenções do gênero, a garota, criada pelo empresário, vai descobrir mais para frente na trama que seu pai biológico é outro homem. Nada mais novelesco do que isso.

Um dos grandes acertos de Tempos Modernos está no núcleo de personagens "liderado" pelo roqueiro Ramon (Leonardo Medeiros), que cria sozinho os filhos, Jannis (Joplin) e Led (Zeppelin), depois que sua ex-mulher, a cantora de ópera Dita (Alessandra Maestrini), o abandonou. Ele tem uma loja de discos num espaço semelhante à Galeria do Rock, em São Paulo, o que reforça o sotaque eminentemente paulistano da trama. O grande complexo de lojas é povoado por tipos exóticos que arrancam a trama da mesmice, dando-lhe um bem-vindo ar de urbanidade e cultura alternativa. Um deles é o quadrinista Gaulês (Jairo Mello), cujos sonhos com a delegada Tita (Cris Vianna) costumam ganhar o formato de HQs animadas.

Tempos Modernospode não ser ainda um sucesso de audiência, mas, certamente, é corajosa. Merece ganhar uma chance do espectador.