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Corte Seco, de Christiane Jatahy, questiona o próprio ato de interpretação | Marcelo Lipiani/Divulgação
Corte Seco, de Christiane Jatahy, questiona o próprio ato de interpretação| Foto: Marcelo Lipiani/Divulgação

Opinião

Sobre os contadores de histórias

Fernando de Proença, ator e jornalista

Quando um crítico teatral analisa uma obra artística, ele a traduz, cria documentos sobre o trabalho, desvela sentidos, revela a trajetória do artista e o contextualiza no seu tempo. Ele conta uma história.

O alcance de um texto crítico é, muitas vezes, maior que a própria obra, pois pode ser mais lido do que a peça vista; pode determinar a participação em eventos de grande valor; mobilizar público, apoios financeiros, seleção em curadorias...

Ele coloca a peça teatral em relação com o mundo, criando teias de conexão, através dos filtros de sua análise.

A imprensa, com sua produção jornalística que enreda a peça, sobrepõe camadas à criação, pois a documentação de uma peça teatral, vídeos de registro, fotografias, reportagens, entrevistas (além do que é guardado nas retinas do público) é tudo o que o trabalho se torna depois de estar no palco e é o que permite que as questões da peça vão para além do espaço cênico. Como, então, criar novas lógicas de estruturação para olhar, criar, ver?

O olhar do crítico é sua matéria fina. A análise de uma obra é sempre um recorte sobre o ponto de vista do analisador. Sendo assim: como será possível fugir de um olhar idealista sobre a peça? Como atuar no mundo de maneira clara e direta, sem se cobrir da alcunha de um "juiz autodesignado"? Como é possível compor um texto sem permitir que o protagonismo caia sobre quem o analisa? Como dar espaço para a peça existir? Que tipo de autonomia é essa que está implicada na prática de escrita sobre teatro?

O crítico de teatro é, a meu ver, uma "pessoa de teatro". Ele produz significado como qualquer outra competência da especificidade do fazer teatral. Elabora a peça depois da materialidade dela, é responsável pela dramaturgia continuada do trabalho, que só se completará com a dramaturgia do espectador.

Como atrair uma plateia com os vocabulários que estão sendo criados pelo propositor da obra? Como nós, artistas, podemos alicerçar o trabalho de quem escreve? O estreitamento entre artistas e público é necessário? Se sim, de que modo ele pode se estabelecer?

A criação teatral é composta de uma tríade viva: a obra e a documentação do artista (criação), a crítica da obra (criação) e a recepção do público (criação). E o espaço entre essas relações diz respeito às nossas práticas e como o trabalho do artista e de quem o olha é recheado de subjetividade, nunca haverá um veredito determinista. Então: como valorar uma obra? Como apresentar descrições de aspectos objetivos que deem sustentação aos seus argumentos, em um campo tão subjetivo?

O critico ilumina uma obra e é por ela iluminado. Acredito que é nesta potência que criação se faz. Em movimento. Com matéria bruta e fina, muito trabalho, prática, com o invisível e sobre o amor.

Top do Top

A Gazeta do Povo questionou críticos de teatro sobre quais seriam os dez mais relevantes encenadores atuantes no país. Veja quem Gabriela Mellão (Folha de S. Paulo), Daniele Avila Small (site Questão de Crítica) e os colaboradores de revistas Daniel Schenker e Valmir Santos citaram. Na lista, diretores citados por pelo menos dois deles.

• Aderbal Freire-Filho• Antonio Araujo• Antunes Filho• Cibele Forjaz • Christiane Jatahy• Enrique Diaz• José Celso Martinez Corrêa• Marcio Abreu• Marcio Aurélio• Roberto Alvim

Foram citados ainda, por apenas um dos críticos, Celina Sodré, Adriano e Fernando Guimarães, Yara de Novaes, Rodolfo Garcia Vazques, Georgette Fadel, Felipe Vidal, Jefferson Miranda, Paulo Biscaia Filho, Maria Thais e Eduardo Tolentino.

Interatividade

O que determina a qualidade de um espetáculo?

Escreva para leitor@gazetadopovo.com.br

As cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor.

Onde pesquisar

Questão de Crítica

http://www.questaodecritica.com.br/

Portal da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas

http://portalabrace.org

Serviço

Conversa sobre recepção no teatro

Espaço do Grupo Obragem (Al. Júlia da Costa, 204 – São Francisco), (41) 3077-0293. Bate-papo com Beth Néspoli, Luciana Romagnolli, Fernando de Proença e Helena Carnieri. Dia 2, às 15 horas. Entrada franca com reserva pelo e-mail imprensa@obragemteatroecia.com.br.

  • O Idiota – Uma Novela Teatral, de Cibele Forjaz, adapta o romance de Dostoievski em peça com duração de seis horas
  • Isso Te Interessa?, de Marcio Abreu, com a curitibana Cia. Brasileira de Teatro, apresenta gerações de uma família vivendo a sutil violência cotidiana
  • Crítica Cultural Teoria e Prática- Marcelo Coelho. Publifolha. 352 págs. R$ 42. Lançamento: 2006. Baseado num curso de jornalismo cultural ministrado pelo autor entre 1997 e 2003, o livro mostra a crítica dentro do conjunto da indústria cultural
  • História do Teatro Brasileiro: Volume I – Das Origens ao Teatro Profissional da Primeira Metade do Século XX- João Roberto Faria (direção). Perspectiva. 504 págs. R$ 95. Lançamento: 2012. Vários autores revelam detalhes sobre a formação do teatro nacional até meados do século 20
  • Antologia do Teatro Brasileiro (Século XIX) – Comédia- Organização de Pedro Moritz Schwarcz e Alexandre Mate. Penguin. 480 págs. Lançamento: 2012. Retrata o destaque que a comédia assumiu no cenário cênico brasileiro a partir do século 19
  • Sábato Magaldi e as Heresias do Teatro- Maria de Fátima da Silva Assunção. Perspectiva. 384 págs. R$ 65. Lançamento: 2012. Apresenta o crítico desde sua formação, o primeiro emprego no Diário Carioca e a relação com a cena teatral carioca

O crítico de teatro, talvez mais do que outros críticos, amarga uma imagem sisuda que é um misto de juiz com intelectual hermético – nem sempre correspondente ao real. Essa ideia está intimamente ligada a um tipo de crítica que orienta o leitor sobre o que deve assistir no fim de semana, com dicas sobre o que evitar e por aí vai. Essa chamada "crítica de gosto" vem caindo em desuso à medida que o conceito é ampliado para abarcar diferentes pontos de vista.

Ainda que o espaço dos jornais impressos para a atividade venha diminuindo desde os anos 1980, os brasileiros têm ótimos exemplos no passado em que se inspirar, como Décio de Almeida Prado, Sábato Magaldi e Yan Michalski.

"A crítica pode ter extremos bem diferentes, e isso é que é rico", opina a doutoranda em artes cênicas pela USP Beth Néspoli, para quem, no mundo ideal, haveria inúmeros jornais circulando, cada um com um crítico dando suas opiniões. Ela integra o debate Conversa sobre Recepção no Teatro, que acontece amanhã no espaço da companhia Obragem.

Essa visão ampla da crítica passa por uma compreensão do teatro em que não existem apenas espetáculos "bons" ou "ruins", e agradar ao público sequer é um dos interesses. "O teatro não é feito para agradar. Às vezes incomoda mesmo", explica Beth.

A definição do papel da crítica é difusa na mesma medida que o destinatário de seu texto é múltiplo. Quem analisa o teatro está escrevendo para o grupo que encena a obra ou para o público em geral de espectadores? E como contentar o espectador mais experiente?

"Nunca se tem certeza de quem é o leitor, e pressupor pode ser muito perigoso", avalia Luciana Romagnolli, crítica do jornal O Tempo, de Belo Horizonte, ex-repórter da Gazeta do Povo e que também estará no bate-papo de amanhã. "Você pode acabar subestimando. Eu tento escrever para quem se interessa, ainda que não por teatro, por pensar."

A ideia de que o teatro esteja relacionado mais à reflexão do que a técnicas bem ou mal executadas é reforçada desde que ganhou força um novo entendimento de dramaturgia: o texto deixou de ser seu sinônimo para se tornar uma das partes do todo, ao lado da composição visual, da sonoplastia, iluminação, entre outros elementos.

Ao mesmo tempo, a interpretação dos atores não é o único interesse do crítico, que não se limita a avaliar quem está "bem ou mal" em seu papel.

Efemeridade

O próprio interesse dos grupos em ser criticados não é unívoco. Alguns pedem a jornalistas que analisem sua obra para que o espetáculo ganhe um registro um pouco menos etéreo do que a apresentação teatral, que se esvai junto com o fim da temporada.

Se alguns ainda desprezam o crítico afirmando que ele não passa de um "artista frustrado", boa parte dos artistas o encara como alguém da classe teatral, que pode contribuir com o espetáculo ao situá-lo na história das artes cênicas e no momento vivido pelos palcos, sempre apontando novas possibilidades de enxergar a obra.

Outros veem na publicação um capital, já que alguns editais ou teatros exigem a repercussão em jornais impressos para incluir uma peça em sua programação. "O jornal não consegue ser justo com toda a demanda [de peças na cidade]. Os programadores deveriam parar de exigir a publicação", opina a tradutora e crítica de teatro carioca Daniele Ávila Smal.

Pensando nisso, e no disparate entre o que estudou na faculdade sobre crítica e o que via publicado no Rio de Janeiro, onde mora, ela fundou com colegas a revista eletrônica Questão de Crítica, que hoje é uma das mídias mais respeitadas do país, reunindo análises de diferentes pesquisadores sobre artes cênicas.

São autores a quem ela orienta especialmente em relação à clareza do texto. "O objetivo é dar informação, convidar o leitor a ler e não fazer só uma exposição de ideias. Nosso trabalho é transformar o preparo de teóricos em escrita convidativa."

"Coloco na cabeça um leitor que não conhece o jargão da área, mas com quem posso conversar. Tento tornar tudo palpável", explica Luciana, que colabora com o site.

Para Beth Néspoli, a clareza é algo a ser perseguido eternamente. "Quem não quer ser compreendido?", questiona. Eis o desafio de quem decide analisar um espetáculo.

Pesquisadores rejeitam ideia de fidelidade ao texto

O novo entendimento de que a crítica não precisa julgar e pode dialogar com as artes cênicas contamina também as pesquisas acadêmicas desde os anos 1980. "Havia uma crítica anterior que se centrava na análise do texto, na ideia de que o espetáculo faz simplesmente a transposição do texto dramático", avalia Clóvis Massa, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). "Os estudiosos tentavam examinar a proposta do diretor, se ela era fiel ao texto... ainda hoje existe quem tenha esse pensamento."

Massa é tesoureiro da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas (Abrace), criada em 1998 para reunir e fomentar estudos na área.

A entidade reúne cerca de 700 pesquisadores e soma dez grupos de trabalho, voltados para temas como dramaturgia, ensino, processos de criação e expressão cênicas, performance e dança e recepção por parte do público.

"O interessante hoje é pesquisar relações, seja entre o ator e o espectador, o diretor e a obra, o diretor e o ator...", complementa Massa.

Trânsito

O clima de sintonia entre o pensamento acadêmico e a crítica publicada em jornais se mostra também na procura crescente por jornalistas pelos programas de pós-graduação em Artes Cênicas.

Um ótimo exemplo é o pesquisador, jornalista e diretor Luiz Fernando Ramos, crítico do jornal Folha de S. Paulo, que defendeu seu doutorado na área em 1997 com a tese intitulada O Parto de Godot e Outras Encenações Imaginárias: a Rubrica como Poética da Cena. Hoje ele ensina teoria do teatro na Universidade de São Paulo. "Existem diversos jornalistas especializados em teatro. Se forem bons, eles se tornarão pessoas do meio teatral", defende.

A confluência dos diversos autores de crítica teatral tem rendido transformações para os dois lados. "A crítica acadêmica perdeu sua soberba e passou a ser menos esotérica, enquanto a crítica jornalística pretende ser menos superficial", avaliou a crítica e professora da École Supérieure de Théâtre de Montréal, Josette Féral, em artigo publicado no ano 2000.

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