Michelle Moura (PR), em Cavalo: obra acolhe os riscos próprios da criação| Foto: Luiz Cequinel/ Divulgação
Máscaras da Siameses (SP) transcendem a noção de cenário ou figurino e tornam-se corpo
A goiana Quasar investe em pesquisa de linguagem, mas sua composição cênica é tradicional

Ao contrário dos últimos anos, em que o dia internacional da dança – 29 de abril – passou batido para a maioria dos curitibanos, em 2012 a data foi comemorada com a criação da primeira edição da Bienal Internacional de Dança de Curitiba. De 22 a 29 de abril, a população pôde assistir a espetáculos locais, nacionais e internacionais, acompanhar mostras de vídeo e participar de palestras e oficinas. Tudo a preços acessíveis, ou de graça.

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A atual coordenadora de dança da Fundação Cultural de Curitiba (FCC), Eleonora Greca, tem o mérito de uma iniciativa importante para a cidade, mas ainda há muito a ser realizado. A começar pelo estabelecimento de uma curadoria especializada – lembrando que curadoria não é sinônimo de programação, nem tem a ver com gosto pessoal.

Esta primeira edição da bienal teve como tema "a dança em todos os estilos". Foi interessante observar, por exemplo, bailarinos de dança de salão assistindo a uma obra de dança contemporânea. Ou um estudante de balé acompanhando uma oficina de hip-hop. São grupos que normalmente não convivem e tiveram a oportunidade de se aproximar.

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Entretenimento

Na mostra de espetáculos predominaram as obras de entretenimento, aquelas em que o público exclama "oh, como ele conseguiu fazer aquilo!", como foi o caso do acrobático Vertente Única (Brazilian Groove, de São Paulo), de alguns dos Solos de Stuttgart, de Left Unsaid, Stamping Ground e Over Glow (Aspen Santa Fe Ballet, dos EUA) e de Por um Fio (Mimulus Cia. de Dança, de Belo Horizonte). Depois de 10 minutos de espetáculo, já era possível prever todo o restante: viria mais um duo fazendo uma sequência de movimento, depois um trio, um solo e, para encerrar, voltaria todo o conjunto em cena. Teu Corpo Que Me Toca (Eliane Fetzer Cia. de Dança, de Curitiba) vai na mesma linha. Dispõe em cena um conjunto de movimentos executados ao ritmo da bela música de Cartola. É um bom espetáculo de jazz dance, mas não problematiza nada, não faz perguntas.

As companhias locais escolhidas – Téssera Cia. de Dança da UFPR, Cia. de Dança Masculina Jair Moraes, G2 Cia. de Dança e Balé Teatro Guaíra – apresentam concepções artísticas muito semelhantes entre si. Faltou dar visibilidade a outras produções da cidade, que poderiam ter agregado diferentes entendimentos de dança ao evento – como por exemplo a peça Swingnificado, da Entretantas Conexão em Dança, em cartaz no período, mas de forma paralela à bienal.

Em uma análise geral, é possível observar que a maioria das obras apresentou no mínimo um dos seguintes aspectos: entendimento da técnica clássica como treinamento básico para qualquer dança, virtuosismo técnico como única finalidade, apresentação de obras ensaiadas sem nenhum risco de modificação no momento do contato com o espectador, coreografia concebida com base em passos encadeados independentemente do mote da dança e, por último, ausência de problematização de qualquer questão que seja.

As exceções são Cavalo, de Michelle Moura; Objeto Gritante, da Siameses Cia. de Dança e Céu na Boca, da Quasar Cia. de Dança, que merecem destaque por terem desenvolvido trabalhos mais arriscados. Esses artistas apresentaram linguagens próprias e levaram o momento do encontro com o público em consideração para a composição de suas obras.

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Miscelânea

Ao se ter como foco "a dança em todos os estilos", existe a possibilidade de o evento se tornar abrangente demais, dando a falsa impressão de que tudo cabe. Foi o que aconteceu com os vídeos selecionados para exibição. A mostra de documentários de personalidades da dança do estado de São Paulo (a série Figuras da Dança, produzida pela São Paulo Companhia de Dança), ao lado de vídeos alemães sem tradução sobre a vida de Mary Wigman e Pina Bausch, não apresentaram relação com o restante da programação. É preciso chamar atenção, então, para o papel da curadoria de tecer redes de sentido entre os diversos eixos do evento, e ainda de cuidar da disposição no tempo e no espaço destas informações. Isso para que elas cheguem ao espectador de forma coerente e produtiva, colaborando efetivamente para a sua formação como leitor de dança, como leitor de mundo.

Formação

Foi positiva a variada oferta de oficinas de curta duração distribuída ao longo da bienal. Entretanto, muitos podem ter sentido falta de cursos mais extensos e aprofundados, com carga horária de no mínimo 10 horas – a exemplo dos que são realizados na Bienal Internacional de Dança do Ceará e no Interação e Conectividade, promovido pelo grupo Dimenti, em Salvador, na Bahia. A possibilidade de se integrar as diferentes linguagens da dança, no momento das aulas, também poderia ter sido levada em conta, já que era esta a proposta do evento. É importante refletir ainda sobre a ideia de oficina como uma contrapartida dos grupos convidados. Artistas não são necessariamente capacitados para lecionar. Muitas vezes, é preciso convidar profissionais específicos para ministrar as oficinas, se o que se almeja é oferecer uma oportunidade de formação com um mínimo de qualidade.

Mesmo com as ressalvas levantadas, o projeto da Bienal parece suprir uma demanda de circulação de espetáculos de dança pela cidade – especialmente os vindos de fora do estado e do país. Por isso, é de grande importância fomentar que ela permaneça no calendário cultural de Curitiba, sobrevivendo às mudanças de governo, e ainda incentivar a produção de um evento, também de grande porte, no intervalo entre as bienais. Afinal, esta foi apenas uma primeira experiência, que se receber um direcionamento adequado, se refinará com o tempo.

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Emanuella Kalil é crítica de dança. Jornalista formada pela UFPR, graduada em Dança pela FAP, especialista em Comunicação, Cultura e Arte pela PUCPR e mestre em Dança pela UFBA.