Os "autógrafos" de Emília e Narizinho
Houve uma época em que Portugal não queria saber de ver o Brasil por aí, assunto no mundo. Então, passaram sistematicamente a nos esconder. A decisão de nos deixar em casa e sair para passear com as riquezas dos colonizados foi motivada pela experiência pouco lúdica com os holandeses, que chegaram e fizeram um pequeno reinado embaixo de nossas saias. Não se sabe o que Monteiro Lobato pensava do doido-real Maurício de Nassau, mas, ao seu modo, ele também criou seu reino, o Sítio do Pica-Pau Amarelo, literariamente permanente.
O Espaço Olavo Setubal guarda, num cantinho de seus módulos, uma história comovente envolvendo o criador de Emília e uma mocinha colecionadora de autógrafos, que abordou Lobato com um pedido um tanto inusitado: queria o autógrafo de todo mundo do Sítio,;almejava fazer novos amigos. Empenhado em não decepcionar a menina, Lobato foi para casa e, alternando a caligrafia, fez um caderno com todos os seus personagens agradecendo o amor da menina pelo Sítio.
Museu
Espaço Olavo Setubal
Avenida Paulista, 149 Pisos 4 e 5. São Paulo (SP). Terça a sexta das 9h às 20h. Sábado, domingo e feriados das 11h às 20h. Entrada franca.
O pintor e aquarelista Bernhard Wiegandt (1851-1918) foi um desses aventureiros que vieram ao Brasil para ver com os próprios olhos as paisagens que alimentavam a imaginação (fértil) dos europeus. Apesar de ser de uma segunda leva de naturalistas a primeira turma tomou de assalto o país após a vinda de mala e cuia da Corte Real Portuguesa ao Rio de Janeiro em 1808 e a posterior abertura de nossos portos , Wiegandt desbravou.
O jovem alemão foi das extremidades do Pará aos limites do Paraná, realizando algumas pinturas históricas, como Cataratas do Iguaçu, de 1878, o primeiro quadro a óleo do cartão-postal paranaense. Sua obra foi redescoberta há pouco tempo por um engenheiro dado à erudição, que, entre outras coisas, era também banqueiro. Hoje ela está devidamente contextualizada no novo endereço cultural do Itaú, o Espaço Olavo Setubal, no comecinho da Avenida Paulista.
Dividido em nove núcleos e dois andares, o Espaço, aberto para o público desde ontem, é composto de 1,3 mil obras, formando o que convencionamos chamar de Brasiliana: uma coleção de diversos materiais visuais e documentais relacionados à nossa história. De pinturas de Debret, Rugendas e Righini a registros sobre períodos obscuros, como a escravatura e a surreal tomada de Pernambuco por uns holandeses meio amalucados, o local desnuda um país que passou por transformações intensas e ainda hoje tem severas dificuldades para compreender (e reconhecer) seu próprio passado.
Raridades
Com o arriscado propósito de ser um museu permanente, ou seja, que não recebe novas exposições, apenas aquisições pontuais, o Espaço compilou um acervo original de mais de dez mil itens adquiridos por Setubal, entre telas, aquarelas, desenhos de artistas viajantes, gravuras, primeiras edições de obras canônicas da literatura brasileira e encadernações raras.
"Buscamos eliminar uma lacuna existente em nossa cultura. Se o brasileiro ou um estrangeiro quiser saber o que foi feito, em matéria de arte, no Brasil ou sobre o Brasil, agora ele tem uma referência", alega Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural, mantenedor do acervo.
Apesar da vastidão documental, o que poderia resultar num almanaque disperso, Setubal era reconhecido por ser um comprador de arte sistemático seu primeiro quadro adquirido foi Povoado Numa Planície Arborizada, de Frans Post, óleo sobre madeira feito entre 1670-1680, um dos mais valiosos registros do nordeste brasileiro. Contudo, organizar seu universo de aquisições trouxe uma série de dificuldades aos curadores. Não à toa, tudo levou aproximadamente cinco anos para ficar pronto.
"Naturalmente, uma coleção particular que se torna uma exposição permanente sofre por não ter acesso a peças importantes de períodos ainda pouco estudados, além de não renovar a atenção periódica da mídia. Mas o que estamos oferecendo aqui é uma importante e significativa leitura de país", define o curador da Brasiliana Itaú Pedro Corrêa de Lago.
Além do acervo documental, o museu apresenta uma coleção extensa de Numismática. São moedas, medalhas, condecorações e barras de ouro que narram, por uma perspectiva singular, a história do Brasil. "Nós temos o maior acervo corporativo da América Latina. As nossas 395 peças contam, ao seu modo, um trajeto econômico, mas também artístico. E nós temos uma moeda raríssima, que é a Peça da Coroação. Só existem 16 exemplares dela no mundo", conta Vagner Porto, curador do acervo de Numismática.
Exposições evisceram a história do país
O percurso artístico-histórico do Espaço Olavo Setubal inicia-se com Brasil Desconhecido, a série de relatos quase alienígenas do contato dos primeiros artistas europeus com os índios, geralmente retratados como terríveis canibais, e vai até Brasil dos Brasileiros, quando a república se consolida e passamos a nos ressignificar.
Se em 1592, as gravuras portuguesas mostravam índios em uma curiosa ceia recheada por cérebros, línguas e intestinos, no Brasil do século 20 nos deparamos com o primeiro número da Revista de Antropofagia, com o Abaporu de Tarsila Amaral na capa, imponente, anunciando um novo ciclo estético.
Contudo, de todos os módulos, o mais profundo é voltado ao Brasil da Escravidão, com uma galeria de documentos e cenas da vida cotidiana brasileira. É algo entre a tristeza absoluta e um sentimento de morte. Trecho de uma carta de negócios entre comerciantes: "Vendo o escravo com todos os seus vícios e achaques, novos e velhos, físicos e morais, tal qual o possuo pela quantia de um conto e setecentos e onze mil réis".
O jornalista viajou a convite do Itaú Cultural.
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