• Carregando...
A cineasta paulista Laís Bodanzky dirige os jovens atores Francisco Miguez e Fiuk, protagonistas do longa As Melhores Coisas do Mundo | Fotos: Divulgação
A cineasta paulista Laís Bodanzky dirige os jovens atores Francisco Miguez e Fiuk, protagonistas do longa As Melhores Coisas do Mundo| Foto: Fotos: Divulgação

Estreia ingênua e teatral

Recife - "Léo e Bia" nasceu como canção para um musical de mesmo nome, em 1984. Retrocedia ao período em que o cantor e compositor Oswaldo Montenegro viveu em Brasília, na década anterior, um tempo de filosofia hippie e repressão militar ao qual o artista mais uma vez retorna na sua primeira experiência como diretor de cinema, um filme de mesmo nome lançado esta semana na Mostra Competitiva do 14º Cine PE Festival do Audiovisual.

Léo e Bia, o longa-metragem, assim como a peça em que se inspirou, mostra uma história autobiográfica sobre um grupo de jovens que combate a solidão do Planalto Central fazendo teatro. Na transposição do palco para a película, no entanto, não se percebe qualquer intenção de diferenciar as linguagens. O filme centrado no triângulo amoroso entre Léo (Emílio Dantas), Bia (Fernanda Nobre) e Marina (Paloma Duarte) abusa dos artifícios teatrais, negando o realismo, mas também as possibilidades do cinema como forma de expressão particular.

Toda a ação se concentra em apenas dois cenários. O principal é a sala de ensaios, onde os amigos expurgam as dores trazidas do lado de fora fazendo exercícios propostos pelo diretor Léo. Falam de sexo, amor e preconceito com certa ingenuidade. Quando uma das garotas engravida, por exemplo, a discussão sobre abortar ou não em que ela se enreda é apenas superficialmente dramática – e ligeira: se resolve num passe de romantismo do namorado que lhe sugere casamento.

Entre os problemas que os garotos trazem ao ambiente que se torna, para o espectador, claustrofóbico a medida em que o filme se desenrola, nada se compara ao inferno a que Bia é submetida pela mãe. Os embates entre as duas acontecem no segundo cenário, um espaço negro onírico em que a violência se materializa metaforicamente: Bia aparece ora presa sob uma montanha de cadeiras ora acuada por um entrelaçamento de fios, em representações que remetem à tortura militar.

Françoise Furton interpreta o extremo da mulher solitária e sufocadora. Do vestido preto e longo próprio para a bruxa má às ações e expressões faciais invariavelmente repreensíveis, a mãe é vilã sem nuances, de quem não se tem como sentir piedade. O que se converte também em intolerância contra a personagem da filha.

Outro problema estrutural da trama, concebida como uma homenagem à amiga de Oswaldo Montenegro em que se baseou personagem Marina, reside aí: a polarização entre a liberdade da moça vivida por Paloma Duarte e a inação de sua rival Bia não se apresenta como mérito da primeira, mas apenas fraqueza da segunda. (LR) GG

  • A atriz Fernanda Nobre é a protagonista de Léo e Bia, primeiro filme de Oswaldo Montenegro, exibido na mostra competitiva em Recife

Entrevista com Laís Bodanzky, cineasta.

Recife - Diretora de Chega de Saudade e O Bicho de Sete Cabeças, Laís Bodanzky fala do mergulho no universo adolescente para criar As Melhores Coisas do Mundo. O filme, em cartaz em Curitiba há duas semanas, participa da Mostra Competitiva do 14.º Cine PE Festival do Audiovisual, que revela seus vencedores amanhã à noite. A sessão em Recife, realizada na quinta-feira, estava lotada de um público jovem como os personagens que retrata. Fazer um filme com o qual eles se identificassem, coisa rara no cinema brasileiro, era exatamente o que a diretora queria. Leia trechos da conversa com a cineasta.

As Melhores Coisas do Mundo foi pensado como um filme sobre adolescentes ou para adolescentes?O tempo inteiro, pensamos "sobre" e "para". O filme já nasceu com essa característica e, aliás, essa é uma pergunta que a gente fazia nos grupos de pesquisas. Abrimos o jogo: vamos contar uma história do cotidiano de vocês, como devemos e como não devemos falar para que esse não seja um comentário sobre o universo adolescente, mas um filme que o retratasse como ele se vê. Eles diziam: "Não vem colocar ator de 20 anos dizendo que tem 15 porque a gente percebe. Não façam filme de ‘tiozinho", em que a gente fica tomando suco. Nem transformem a gente em adolescentes totalmente porra-locas. A gente não é o que os adultos acham que a gente é, cuidado com isso! Vocês não sabem nada." E não sabemos mesmo.

Existiam filmes de referência com os quais eles se identificavam?

No Brasil, não tinha. Só o programa Malhação, de que eles falavam dando risada. Acham muito engraçado como o jovem é mostrado, muito distante do que eles são. E a filmes americanos assistem, se divertem, mas eles não são assim, nem besteirol nem junkie. Até qual etapa o filme foi submetido à opinião deles?

Todas as novas versões do roteiro que o Luiz Bolognesi criava, mostrávamos a um novo grupo, eles faziam a leitura do roteiro e criticavam duramente os personagens e situações.

O que foi alterado a pedido deles, por exemplo?

Uma das histórias do filme, quando se espalha a notícia da Carol, vazava por um bilhete na aula de Educação Física. Mas vários meninos apontaram que não mandam bilhete e, sim, torpedos. Fizeram a crítica de que faltava o cotidiano de tecnologia, celular, blog, internet, e como eles se comunicam por essas ferramentas.

Esse é o primeiro filme seu que partiu, em vez de uma motivação pessoal, como em O Bicho de Sete Cabeças e Chega de Saudade, de um convite. Como isso muda sua relação com o universo filmado?

Foi um convite da Warner, do Gilberto Dimenstein (autor da série Mano, que serviu de inspiração) e Globo Filmes. Mas tive total liberdade para fazer o filme que eu queria. O universo do salão de baile (de Chega de Saudade) não me pertencia também. Nem a loucura. Também tive que me apropriar e criar uma identidade com esses temas.

O olhar do filme, então, foi dado pelos adolescentes. Mas o que no filme você diria que é seu?

A gente também empresta nosso sentimento de vida pessoal. Nesses três filmes, tenho a minha caligrafia: a presença musical muito intensa, ser filme de personagem, em que a trama muitas vezes é mais interna do que acontecimentos externos. A forma de filmar tem uma unidade.

O filme não estreou com grande bilheteria, a que credita isso?

Minha percepção é de que ele estreou muito bem de bilheteria, veio com um boca a boca muito forte, vem com fôlego bacana e vai longe. Quando vejo sessões como quinta à noite, tenho mais certeza ainda. Mas as pessoas precisam saber que está em cartaz.

Adolescente precisa de marketing para ser levado ao cinema?

Precisa, sem dúvida.

Embora trate de temas sérios como preconceito e suicídio, o filme tem um tom leve, que pode ser sintetizado na cena do ovo, quando a personagem da Denise Fraga está arrasada, mas não chega a desabar, logo sua catarse se transforma em risadas. O tom foi escolhido por causa do público jovem?

Essa história é assim. A cena do ovo, não sei quando na minha vida vou ser capaz de fazer outra cena tão simples e tão complexa, que contém o riso e o choro, da mesma forma. Não acho que o filme seja menos profundo porque a gente não fica só enfiando o dedo na ferida, mas mostra outras maneiras de como todo mundo encara seus problemas.

Você já definiu qual será seu próximo projeto?

No cinema, não. Tem uma peça de teatro que vou dirigir, um texto do Bráulio Mantovani chamado Menecma. Os atores serão a Paula Cohen, Gustavo Machado (que está no filme As Melhores Coisas do Mundo) e Roney Facchini. É a segunda peça que dirijo, a primeira foi Essa Nossa Juventude.

* A jornalista viajou a convite do 14º Cine PE Festival do Audiovisual.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]