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literatura

O amor em Florbela Espanca

Poeta portuguesa, que se suicidou há 80 anos, nasceu, se casou e morreu no dia 8 de dezembro

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O nascimento, o primeiro casamento, a vida e a morte da poeta portuguesa Florbela Espanca fo­­ram marcados pelo dia 8 de dezembro. Ao completar 36 anos, após deliberadamente tomar uma violenta dose do sonífero Veronal, Florbela morria sem saber que o reconhecimento de seu talento poético estava prestes a chegar. O suicídio aconteceu há 80 anos, em 8 de dezembro de 1930. A escritora deixava como legado poemas carregados de erotismo e feminilidade, em que o amor, a paixão, a dor da rejeição e a morte eram te­­mas dominantes.

Em Florbela, tudo é intenso. O excesso e a teatralidade são características presentes em sua obra. Florbela é incessante. Chega a ser teatral, como bem assinala a professora Renata Soares Junqueira, da Universidade Estadual Paulista (Unesp). "Toda a escrita de Florbela Espanca revela-se prenhe de uma teatralidade que se realiza na pintura de seres e objetos deliberadamente artificiais, visivelmente estereotipados, produtos de uma hábil sofisticação da linguagem", afirma Renata Soares Junqueira.

Florbela chega a trazer um pouco dessa encenação à sua vida. Evidência disso está no fato de casar, em 1913, com o seu primeiro de três maridos que virá a ter – Alberto Moutinho – no dia em que completou 19 anos. Em 8 de dezembro.

No Brasil, a obra da autora despertou o interesse popular quando alguns poemas foram musicados por Fagner, como "Fanatismo", "Fumo" e "Tortura".

O amor em todas as suas matizes é encontrado na obra de Florbela, assumindo, muitas vezes um caráter transgressor. "A vertente do erotismo que também está intimamente ligada ao tema amoroso vincula-se à transgressão, à interdição. A análise da poesia mostrou que o erotismo se realiza pelo silêncio, pela mudez, pelas analogias, pelas imagens sensoriais, pelas metáforas", explica Renata Soares Junqueira.

A professora de Letras Marly Catarina Soares, da Universidade Estadual de Ponto Grossa, também considera que, passados 80 anos da morte de Florbela Espanca, o tema que se sobressai de seus poemas é o amor. "O amor é a força motriz da humanidade. É causador de dores, sofrimento, tristeza, agonia, mas também é a fonte da felicidade suprema, um caminho para se chegar à divindade".

Esse sentimento, ressalta Marly Soares, permeia a poética da autora nas mais diferentes situações, desde sua forma transgressora até sua forma divina. "Percebe-se em alguns poemas uma tendência à essencialização ou à sublimação do amor, denunciada pela ausência de um objeto e de um sujeito amoroso", explica a professora. "Para a poeta, o amor é a representação de tudo: o lugar, a síntese da realidade corporal, a terra em que nasceu, os lugares por onde andou, cidades, ruas. Enfim o amor não é direcionado exatamente a um homem, mas a tudo que a rodeia".

No tratamento da poeta dada ao amor, verte sua feminilidade, que se impõe de forma ativa, numa época em que as mulheres detinham um papel submisso na so­­ciedade portuguesa. "Poderia citar como exemplo a imagem da mu­­lher na condição de sujeito ativo que aparece em alguns poemas, dirigindo-se ao amante convidando-o para o amor", analisa Renata Junqueira. De certa forma, Florbela recusa o papel tradicional conferido às mulheres de seu tempo. Teve três maridos. Foi a primeira mulher a cursar a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Intelectual feminina num tempo em que isso era incomum, a poeta viveu, de certa forma, à margem do mundo literário. Não fez parte dos grupos de modernistas, no qual conviveram, por exemplo, Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro.

A poeta não chegou sequer a ser reconhecida em sua grandiosidade enquanto esteve viva. O reconhecimento veio com a morte da poeta, o que acabou sendo bastante explorado por seu editor, Guido Battelli, que conscientemente misturou a vida e a obra dela, mistificando-a.

A sincronicidade que acompanhou a vida e o destino de Florbela em três momentos de sua vida – no dia 8 de dezembro – transcende o contexto vivido pela poeta portuguesa. Nesta data, praticantes do candomblé e da umbanda saúdam Oxum, orixá feminino que rege o amor e as riquezas, o en­­cantamento e a beleza. Afora o aspecto trágico de dar o fim à sua própria existência, pensando bem, Oxum tem tudo a ver com Florbela Espanca e sua poesia.

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