Diego Rivera já é era um grande nome, em 1923, quando a colegial Frida Kahlo cruzou seu olhar com o dele, na sala do Preparatória, colégio da Cidade do México onde o artista pintava afrescos. Mas é inegável que a história de Rivera só ganharia contornos lendários aliada à daquela jovem de apenas 15 anos, com quem se casaria alguns anos depois, em 1929.
O amor desmedido de Frida Kahlo é o motor deste artista que pintou a revolução em centenas de murais espalhados pelo México e pelos Estados Unidos e parece inspirar uma emotiva reconstituição da vida do casal empreendida pelo Prêmio Nobel de Literatura de 2008 J. M. G. Le Clézio, no livro Diego e Frida.
"Ela é mesmo la niña de mis ojos, aquela por intermédio de quem Rivera percebe verdadeiramente o mundo, aquela que participa de seu segredo, de sua alma, que o habita como seu duplo, que o guia, inspira, determina", escreve o autor francês que é, tal como seus personagens, um apaixonado pela História do México.
O reedição recente do livro no Brasil, pela Record, e outras publicações sobre Frida Kahlo vêm no encalço do aniversário da artista mexicana, lembrado no último dia 6, com destaque para a belíssima publicação Frida Kahlo: Suas Fotos (Cosac Naify) (leia quadro).
Frida e Rivera "o elefante e a pomba", como o pai dela nomeou com ironia o casal insólito eram completamente díspares. Ele, bem mais velho, grande e robusto, já havia se casado duas vezes, tido dois filhos e vivido um longo período na Europa, convivendo com artistas como Picasso e Modigliani. Ela, pequena e debilitada por uma poliomielite e, depois, por uma acidente terrível que a faria sentir dores intensas até o fim de sua vida, nunca havia saído do México.
No amor também havia diferenças. Frida amava com exclusividade e entrega absoluta. Rivera necessitava de outras mulheres como fonte criadora. Suas pinturas exibiam formas femininas sinuosas, de grandes seios e quadris largos, que remetiam a algo inalcançável para a frágil Frida: a maternidade.
A oposição também era visível no modo como participavam da Revolução Mexicana. Diego trabalhava incansavelmente em seus murais em que retratava as mulheres indígenas, as crianças, os trabalhadores oprimidos e escarnecia as elites a ponto de enfrentar seus próprios mecenas como fez ao pintar o rosto de Lênin no Centro Rockefeller, então chamado Radio City, em Nova York, uma encomenda feita pelo milionário Nelson Rockefeller.
Diante da negativa do artista de apagá-lo, o mural foi inteiramente retirado do local, provocando uma grande polêmica que acabou favorecendo o artista, ainda que seu "comunismo passivo" tenha sido criticado pela fotógrafa Tina Madotti, militante com quem Rivera e Frida tiveram uma relação intensa.
Tina, comunista das mais ativas, serviu de inspiração para Frida desde a juventude a jovem estudante imitava até mesmo sua maneira de vestir, com coque e saia justa. Ao se casar, no entanto, passaria a usar saias, joias e xales mexicanos e trançar o cabelo como uma forma de afirmar sua diferença. "Esse ritual, esse desfile, é outra vertente da pintura de Frida, a obra que ela pinta com seu rosto e com seu corpo, e que a liga ao mais profundo de sua origem sonhada, no olhar angustiado que pousa em si mesma, em sua própria identidade", escreve Le Clézio.
Ao contrário do marido, Frida não usava a arte como arma política e, no entanto, em oposição a Diego, que pendia entre o poder e a fé na revolução, entre os Estados Unidos e a União Soviética, manteve sempre a mesma admiração simples pelas figuras de Lênin e Stálin. "Para Frida, a arte não é nem um meio de comunicação, nem uma simbologia. É, literalmente, o único meio de ser ela mesma, de existir, de sobreviver à ruína dos sentimentos e do corpo", escreve La Clézio.
Combate interior
Pintar, para Frida, era a exteriorização de seu combate interior. Em sua telas, ela falava da sua solidão; da dor física que a acometeu desde o acidente no qual uma barra de ferro transpassou o seu corpo pela vagina; da incapacidade de ser mãe causada pelo acidente e por sua própria conformação física; dos ferimentos do amor próprio causadas pelas traições do marido (inclusive com sua irmã, Cristina); da dificuldade de ser mulher em uma sociedade machista.
Os autorretratos do amado pai fotógrafo, um dos capítulos mais interessante da fotobiografia publicada pela Cosac Naify, fascinam Frida e foram retomados com ainda mais intensidade por uma artista acamada, já à beira da morte, que se retratava diante de espelhos, na sua adorada Casa Azul, em Coyoacán, bairro na cidade do México, enquanto Rivera, do lado de fora, "continua envolvido no tumulto do mundo".
Ela, que em 1944 havia se retratado com o torso nu, amparado por um colete e uma coluna romana partida no lugar da sua frágil coluna vertebral, na tela "A Coluna Partida", enche-se de esperanças com as cirurgias médicas e pinta quadros como "Árvore da Esperança", de 1946, no qual aparece sentada ao lado de si mesma deitada em uma ma ca, em meio a um deserto de Sol e Lua impiedosos.
A parceria artística e amorosa, interrompida algumas vezes, mas sempre retomada, se dilui quando, Frida morre, aos 47 anos, alguns meses após a realização de uma grande retrospectiva de suas obras no Instituto de Belas Artes. Rivera continua seu trabalho incansável de porta-voz dos "povos oprimidos, revolucionário intransigente e provocador", mas morre três anos depois, em 1957, de acidente vascular cerebral.
Le Clézio lembra que, por coincidência, "seus últimos quadros são os mesmos que Frida pintou antes de morrer, as melancias com a carne cor de sangue, entregues como uma último sacrifício".
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