"Nós somos como uma obra de arte", diz Sofía a Rímini, seu namorado há 12 anos, durante uma viagem pela Europa, na primeira parte de O Passado, romance do escritor argentino Alan Pauls. Duas ou três páginas depois, a separação. Talvez a única maneira encontrada para que o amor entre eles, tão admirado (e invejado) pelos amigos, possa se tornar completo. Mas o "amor é uma torrente contínua", e esse mantra servirá como fio condutor para a conturbada relação pós-fim.

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Quando Alan Pauls apareceu para receber o Prêmio Herralde de Romance 2003, na Espanha, o jornal El Mundo estampou na capa a manchete "Alan Pauls existe." Especulava-se que o escritor seria um personagem inventado pelos escritores Enrique Villas-Matas e Roberto Bolaño. Brincadeira quase borgiana, que casa perfeitamente com a escrita labiríntica de Pauls.

Mas, sim, Alan Pauls existe e estará no país este mês para a quinta edição da Flip, que acontece entre os dias 4 e 8 de julho. O escritor dividirá a mesa com a psicanalista Maria Rita Kehl para discutir as fronteiras, nem sempre claras, entre amor, desamor e doença.

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"Continua me interessando a psicanálise como método de leitura, como percepção, como máquina de produzir ficções ao redor de certos nós decisivos como a linguagem, o corpo, o outro, o sentido, etc." afirma o escritor, em entrevista por e-mail ao Caderno G.

Como Freud, Pauls parece acreditar que certos "nós" não permitem que a vida siga seu fluxo, voltando incansavelmente para tentarem (em vão) ser desfeitos. Nada ficou para trás em O Passado. Após o fim do relacionamento, Sofía torna-se a mulher-zumbi (esse era o título provisório do romance) que, através de sinais e, mais tarde, de formas menos sutis, não permite que o passado acabe: prefere que se torne pesadelo.

Com um estilo trabalhado e elegante, quase anacrônico, lembrando em alguns momentos os grandes romances do século 19, Pauls acompanha as diversas fases da vida de Rímini pós-Sofía: o tradutor compulsivo que passa tardes alternando trabalho, masturbação e cocaína; a relação com a ultra-ciumenta Vera, que morre ultragicamente; o esquecimento dos idiomas; o filho que tem com a tradutora Carmen; a depressão profunda e o renascimento. E Sofía está sempre lá. Seja com uma foto (das mais de mil que ficaram em seu poder), um presente ou um seqüestro, Sofía não esquece.

O livro será levado às telas ainda este ano, pelas mãos de Hector Babenco. No papel de Rímini, Gael García Bernal. "Ainda não vi o filme terminado. Minhas expectativas são múltiplas: medo, intriga, uma curiosidade doentia, a esperança de assisti-lo e não reconhecer mais meu romance e pensar: ‘Ah, como eu gostaría de ter escrito uma história assim’", conta Pauls, que aprovou a escolha de Bernal para protagonista.

A cada reviravolta de O Passado, a relação entre Rímini e Sofía se assemelha mais a uma obra de arte. Só que um quadro como os de Jeremy Riltse – artista fetiche dos dois – que se automutila e expõe pedaços de carne. O amor é sim uma torrente contínua: mas não passa de amor-horror.

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Serviço: O Passado, de Alan Pauls (tradução de Josely Vianna Baptista. Cosac Naify, 480 págs., R$ 55).

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