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Diplomacia

O ativismo cibernético

Vazamento de documentos secretos da diplomacia mundial no site WikiLeaks revela o poder dos indivíduos e de organizações não governamentais

O site Wikileaks e seu criador, o australiano Julian Assange: tecnologia da informação tornou o mundo mais complexo, mais aberto e de mais difícil controle estatal | Thomas Coex/AFP
O site Wikileaks e seu criador, o australiano Julian Assange: tecnologia da informação tornou o mundo mais complexo, mais aberto e de mais difícil controle estatal (Foto: Thomas Coex/AFP)

O vazamento de dados "facilitado" pela organização não-governamental WikiLeaks pôs em evidência as novas fronteiras éticas, legais, de liberdade de ex­­pres­­são e de cidadania que os seres humanos estão tendo de en­­­­frentar num mundo conectado por redes. Expôs a crescente for­­ça de indivíduos e organizações no âmbito das relações in­­ternacionais. Mostrou que constantemente há choque de interesses entre estados-nações e indivíduos. Reacendeu o ativismo cibernético.

Ao mesmo tempo, fez ressurgir o debate sobre o direito dos Es­­ta­­dos manterem em sigilo documentos considerados de segurança nacional em contraposição ao di­­reito à liberdade de expressão e informação. Trouxe à pauta de discussão internacional os prós e contras da transparência radical. Re­­discutiu o papel e os procedimentos que devem ser adotados pelo jornalismo neste novo cenário. Tor­­nou real o risco de reação contra a liberdade de informação hoje existente na internet. Em síntese, o vazamento de cerca de 250 mil documentos da diplomacia norte-americana e os fatos que transcorreram durante as últimas duas semanas deixaram muito claro que a tecnologia da informação tornou o mundo mais complexo, mais aberto e de mais difícil controle estatal.

Liberdade de expressão

Talvez a regulação do uso da internet venha a ser o principal foco da comunidade de nações para evitar que informações constrangedoras sobre a atuação de governos continuem vindo a público. Essa é a avaliação do professor titular de Direito Internacional Público do Curso de Preparação à Carreira de Diplomata do Instituto Rio Branco, Jorge Fontoura. "Acredito que ha­­verá uma reação rápida dos Esta­­dos a fim de criar uma legislação internacional que trate dos avanços tecnológicos. Isso porque uma legislação nacional não tem como limitar os efeitos danosos de vazamentos", avalia.

Entretanto, em que termos esse acordo poderá acontecer sem que acabe se violando a liberdade de expressão é o ponto a ser discutido. Ao menos no Brasil, quando há interesse público envolvido, mesmo documentos sigilosos podem ser divulgados pela imprensa. Segundo o professor doutor Eduar­­do Saldanha, especialista em Re­­lações Interna­­cio­­nais, docente convidado na Uni­­versidade de Co­­lumbia (Nova York) e professor da FAE – Centro Uni­­versitário, uma orientação semelhante é a que segue o Direito norte-americano. Nos Estados Unidos, não há restrição para a imprensa divulgar informações sigilosas. "Porém, aqueles que quebraram seu compromisso com o Estado, ao divulgar sem autorização dados sigilosos a que ti­­nham acesso por conta de sua função, esses estão sujeitos às sanções previstas por desvios de conduta", diz Saldanha.

Uma das críticas que se faz aos vazamentos feitos pelo WikiLeaks a respeito da diplomacia norte-americana é a de que parte dos documentos são banais, não tendo interesse público. Em alguns casos são meras suposições, em outros, fofocas. A esse respeito, Jorge Fontoura lembra que é uma tradição do mundo diplomático o direito de manter seus segredos de governo, que interessam somente a uma cúpula de agentes do Estado. "Na tradição das democracias, os segredos de estado são intangíveis. Até mesmo na Inglaterra, documentos da Segunda Guerra Mundial continuam secretos", lem­­bra o professor.

Da mesma forma, Eduardo Sal­­danha lembra que, mesmo na era da tecnologia da informa­­ção, os dados confidenciais estão fundados num paradigma milenar da di­­plomacia – a confiança que deve reger as relações entre agentes de Estado. Porém, Saldanha faz uma ressalva. "Segu­­rança na­­cional não pode violar direitos hu­­manos. Quando há agressão a direitos humanos, isso coloca o Estado fora da legalidade, de mo­­do que isso não tem o respaldo do direito ao sigilo."

O professor de Relações In­­ter­­na­­cionais Rafael Pons Reis, do Cen­­tro Universitário Curitiba, lembra também que os diplomatas sempre trocaram confidencias e é importante que isso seja mantido em segredo. "Por exemplo, na crise dos mísseis de Cuba, o embaixador na Rússia, Tommy Thom­­pson, disse ao presidente John Ken­­nedy que era possível negociar a questão com (o líder soviético) Nikita Krushev, porque havia o interesse de salvar Cuba. Então, essas informações são benéficas para tomadores de decisões." Reis, entretanto, lembra que muitas vezes não são propriamente públicos os interesses que movem a máquina estatal. Em casos de lobbies ou guerras, verdades inconvenientes são reveladas.

Já o cientista político Sérgio Amadeu considera que há grande relevância na disseminação de documentos comprometedores como os que estão sendo divulgados pelo WikiLeaks na rede, principalmente porque há demonstrações claras de afronta a direitos humanos. "Isso é decisivo para a liberdade de expressão. Só que, num mundo dividido em estados soberanos, a liberdade de expressão acaba não tendo muita validade, porque os governos têm pouca possibilidade de conseguir controlar as ações uns dos outros", explica. Segundo ele, dadas as características da internet, há pouca possibilidade de que os Estados consigam impedir a divulgação de documentos secretos.

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