No seu memorável desfile de papel, o estilista Jum Nakao deixou exposto o círculo autofágico da moda, que se autodestrói para renascer continuamente. Rasgar as roupas no final foi uma forma de eternizar imagens que se dissolveriam rapidamente no vaivém de tendências. Mais do que isso, foi um drible no tempo, minutos magicamente roubados da inexorável engrenagem que rege um sistema muito maior do que ele mesmo.
O desfile de Jum aconteceu há três anos. Com exceção de algumas poucas autoridades no assunto, seria difícil alguém se lembrar (sem consultar arquivos) dos detalhes dos demais desfiles apresentados em junho de 2004 na São Paulo Fashion Week. Simplesmente porque foram imagens de moda criadas para saírem do "estoque" mental poucos meses depois, junto com as últimas peças da liquidação. Afinal, é preciso dar espaço para as próximas novidades.
E elas vêm em intervalos cada vez mais curtos. Os grandes magazines internacionais há tempos não se prendem mais ao calendário oficial de lançamentos e renovam semanalmente araras e vitrines, pois o que faz a loja vender é a expectativa do consumidor de encontrar novos produtos, não mais o clima. E essa expectativa é um sentimento comum a todos, dos que acompanham tendências aos que não têm o mínimo interesse por moda.
O último título lançado pelo escritor famoso, o computador mais moderno, o novíssimo design do celular mais hype do momento, as notícias recentes dos blogs mais atualizados... O que, senão a obsessão pela novidade, explicaria aquela sensação de abandono quando, por algum contratempo, nos privamos do acesso à internet (esse admirável mundo novo)? Com o individualismo moderno, a novidade ganha sentido de urgência e se consagra como filosofia comportamental. O novo é superior ao antigo: eis a idéia que permeia a sociedade de consumo. O breve tempo da moda é o tempo de todas as coisas.
Foi o filósofo francês Gilles Lipovetsky, no clássico O Império do Efêmero (Cia da Letras), quem explicou como o princípio básico da moda a mudança impõe-se hoje em todas as esferas de consumo. Ela (a mudança) nos faz enxergar que é impossível delimitar onde começa e onde termina o fenômeno moda, que não é um setor específico e periférico, mas "uma forma geral em ação no todo social". A moda reordena também a produção e o consumo de massa sob a lei da obsolescência, da sedução e da diversificação. É, portanto, moda com M maiúsculo.
Com sua lógica organizacional instalada no terreno das aparências e da necessidade do novo, a Moda instaurou o descartável e inaugurou a cultura clip: das mensagens instantâneas, do "bombardeio" de imagens, da velocidade como regra geral, da completa aversão à perda de tempo. O presente eixo temporal próprio da moda rege a cultura de massa: sem rastro, sem futuro, ela é feita para existir somente no agora, adaptando todos os discursos ao código da modernidade. Não há lugar para o passado nessa equação "fast-fashion". Somos seres do instante. E, assim como as vontades da moda, ele é cada vez mais fugaz.
Rosângela Vale, jornalista com especializações em Moda e em Marketing pela Universidade Estadual de Londrina.
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