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“O Nascimento de Vênus”, obra de Sandro Botticelli (1445-1510), pintor que teria sido influenciado pelas ideias do grego Tito Lucrécio, autor de Sobre a Natureza das Coisas | Reprodução
“O Nascimento de Vênus”, obra de Sandro Botticelli (1445-1510), pintor que teria sido influenciado pelas ideias do grego Tito Lucrécio, autor de Sobre a Natureza das Coisas| Foto: Reprodução

História

A Virada – O Nascimento do Mundo Moderno

Stephen Greenblatt. Tradução de Caetano Waldrigues Galindo. Companhia das Letras. 304 págs., R$ 39.

A Virada – O Nascimento do Mundo Moderno narra a saga improvável de um manuscrito anterior à Era Comum, que sobreviveu de maneira espetacular para, segundo Stephen Greenblatt, o autor do livro, dar bases ao pensamento moderno.

E modernidade, nesse caso, tem a ver com ideias fincadas na ciência. Uma das mais impressionantes é a de que tudo, da terra ao céu e os seres humanos todos, é feito de partículas ínfimas que se movem sem parar. Impressionante porque essa teoria dos átomos só seria comprovada pela Física dois mil anos mais tarde.

Tito Lucrécio Caro (99 a.C. – 55 a.C.), o grego que escreveu De Rerum Natura, ou Da Natureza (traduzido também como Sobre a Natureza das Coisas), usou um latim de beleza rara para produzir os 7,4 mil versos que explicam os átomos e defendem a vida terrena como a única que importa – até porque não há nada depois dela. Lucrécio argumentou isso antes de Cristo, quando os gregos depositavam fé em um time de deuses.

A sobrevivência do livro foi possível apesar das ideias que defendia e se deve, em parte, ao estilo do autor, capaz de tocar até aqueles que não concordavam com seus argumentos. Foi por causa do latim de Lucrécio que um senhor atarracado e extremamente culto resolveu que o livro valia a pena ser copiado ao encontrá-lo na biblioteca de um mosteiro alemão em 1417. Naquela época, pouco antes de Johannes Gutenberg criar a prensa de tipos móveis, os livros eram produzidos à mão e calígrafos eram artesãos bastante valorizados.

Tal era o caso do italiano Poggio Bracciolini (1380-1459), um caçador de relíquias que trabalhou para a Igreja, servindo a papas, mas que terminou sozinho, depois de ver seus contatos político-religiosos serem caçados por comportamentos excusos.

Bracciolini sabia que os monges, de acordo com os preceitos de São Bento, se dedicavam aos estudos e precisavam de livros, um objeto valiosíssimo 500 anos atrás. Uma biblioteca pessoal era algo muito raro (e caro). Em resumo, as bibliotecas de mosteiros viraram abrigos do conhecimento também por questões práticas. Se os monges não mantivessem seus acervos, não teriam como estudar e, de certa forma, desrespeitariam seus votos.

Greenblatt, o homem que descreve as peripécias de Bracciolini, é sempre vinculado ao chamado "novo historicismo", linha dos estudos históricos que defende a importância do contexto em que as obras foram produzidas. Nesse espírito, o norte-americano que dá aulas na Universidade de Harvard escreveu Como Shakespeare Se Tornou Shakespeare (Companhia das Letras), em que aborda os textos do dramaturgo à luz de sua vida e de sua época, e A Virada.

A trajetória do manuscrito de Lucrécio tem uma lacuna: os 15 séculos que separam a época em que foi produzido e a descoberta da cópia de uma cópia, feita por Bracciolini.

A quantidade de acasos e reviravoltas (e viradas) em torno de Sobre a Natureza das Coisas faz pensar na própria vida – ela também, na versão da ciência, resultado de acasos, reviravoltas e evolução. A narrativa que Greenblatt põe em pé apesar das informações escassas seria uma ficção implausível, não fosse um livro de história incrível.

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