É impossível imaginar uma biografia de Roberto Carlos sem toneladas "emoções". Ídolo das massas, artista que canta a própria vida há mais de 40 anos, o Rei não merecia um resgate frio e técnico de sua trajetória. Felizmente, não é esse o tom de Roberto Carlos em Detalhes (Editora Planeta, 504 págs., R$ 59,90), segundo livro do jornalista e historiador Paulo Cesar de Araújo o mesmo de Eu Não Sou Cachorro Não: Música Popular Cafona e Ditadura Militar (2002).
Aqui, a ênfase está justamente no lado humano do Rei, apresentado como um homem determinado que enfrentou inúmeras dificuldades na carreira e na vida íntima. "Eu mesmo não tinha idéia disso, mas nenhum dos ícones da música popular brasileira encarou tantas barras quanto ele", diz o autor, que acredita ter retratado Roberto Carlos "para além do mito".
Fã do cantor desde a infância, Araújo, de 44 anos, escancara seu envolvimento afetivo com o biografado. Inicia o ensaio narrando a tentativa frustrada de ver um show do Rei em sua cidade-natal, Vitória da Conquista (BA), no início dos anos 70. Uma história que ele mesmo contou para o ídolo. "Costumo dizer que já entrevistei o Roberto, sim. Só que ele não me respondeu", brinca.
Explica-se: em 1996, Paulo César acompanhou um amigo, repórter do Jornal do Brasil, em uma entrevista com o cantor. Não estava autorizado a participar do papo, mas ajudou na elaboração da pauta e, de quebra, conheceu a casa do ídolo. Foi seu primeiro e único encontro direto com Roberto o que não compromete o resultado do livro.
Envolvido com o projeto da biografia há 15 anos, desde que ainda era estudante universitário, Araújo vasculhou praticamente tudo o que foi publicado ou veiculado sobre o Rei. Também entrevistou mais de 200 pessoas, entre personalidades do meio musical, gente dos bastidores e figuras próximas ao cantor (leia quadro). E participou de todas as entrevistas coletivas concedidas por Roberto desde 1990. "Não terminei o trabalho enquanto não obtive respostas para todas as minhas perguntas", garante.
Roberto Carlos em Detalhes não deixa de fora nem a fase mais recente do cantor, marcada pela viuvez e o tratamento contra o transtorno obsessivo-compulsivo. Mas o grande atrativo do livro está mesmo no resgate de seu início de carreira, quando o garoto de apelido Zunga tentava a sorte como crooner-mirim na rádio de Cachoeiro de Itapemirim (ES). As descrições desse período são tão minuciosas que, ao abordar a simpatia de Roberto pelo Vasco da Gama, o autor chega a lembrar o placar de todos os jogos do clube no campeonato carioca de 1949.
Seguem-se passagens sobre o acidente que o fez perder parte da perna direita, a mudança para o Rio de Janeiro (levando apenas uma mala, um violão e uma muleta), o interesse pelo rock, a amizade com Erasmo Carlos, a luta para gravar, a conversão em ídolo popular, a richa inicial com os intelectuais da MPB, os casamentos, etc. E pelo menos uma revelação inédita: o namoro do cantor com a radialista Magda Fonseca, musa inspiradora de "Quero Que Vá Tudo pro Inferno", seu primeiro grande hit. "Eles passaram três anos juntos antes de o Roberto ficar famoso. Depois disso, todos seus relacionamentos foram acompanhados pela imprensa", diz Araújo.
Outro acerto da biografia é a constatação, definitiva, de que Roberto Carlos sempre desejou ser um cantor romântico por mais que tenha flertado com a bossa nova e namorado firme com o rock. Não por acaso, a primeira música que cantou no rádio, aos 9 anos, foi um bolerão em espanhol. "Outra criança escolheria um foxtrot ou outro ritmo mais animado. Mas quer coisa mais romântica do que uma canção chamada Amor y Mas Amor?", pergunta o autor. Como se vê, não faltam emoções em Roberto Carlos em Detalhes de longe, o "livro musical" do ano.
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