Rio de Janeiro O bater das asas de uma mariposa no Japão provoca uma grande tormenta em Nova Iorque. O diretor mexicano Alejandro González Iñárritu acredita piamente nessa relação, sempre citada quando se fala sobre a Teoria do Caos. Essa crença, de que um pequeno acontecimento pode ter conseqüências catastróficas em outras partes do mundo, é base de Babel, terceiro filme do cineasta, que será lançado no Brasil em 19 de janeiro.
Iñarritu esteve na última semana no Rio de Janeiro para divulgar Babel no Festival do Rio, participando de uma sessão do filme para convidados e concedendo entrevistas.
Segundo o diretor, o filme estrelado por Brad Pitt, Cate Blanchett e Gael García Bernal fecha uma espécie de trilogia sobre a Teoria do Caos, completada com os elogiados Amores Brutos e 21 Gramas. A produção, que rendeu ao mexicano a Palma de Ouro de direção no Festival de Cannes deste ano, foi filmada em quatro países EUA, México, Marrocos e Japão e tem como ponto de partida um tiro que uma criança africana acerta na personagem de Blanchett, acontecimento que muda a vida de diversos personagens e interfere até na política internacional.
O Caderno G participou da coletiva de imprensa do diretor e de uma das mesas de entrevistas, nas quais Iñárritou falou dos seguintes temas.
Idéia de Babel
"O argumento de Babel surgiu há três anos e meio, antes de eu filmar 21 Gramas. Originalmente, o filme se passaria em cinco continentes e seria falado em cinco idiomas, partindo de uma tragédia familiar que iria conectar vários outros fatos. Pareceu-me congruente fazer algo sobre a Teoria do Caos em escala global, depois de ter feito sobre o tema um filme local (Amores Brutos) e outro estrangeiro. Foi uma necessidade de purgar temas que estavam me incomodando."
Sobre o filme
"Babel é um filme sobre a compaixão, com profundas emoções. Um filme deve levantar perguntas, não dar respostas. Uma história nunca acaba e gosto da idéia do espectador criar seus próprios finais para ela, de acordo com suas experiências pessoais. Babel trata das barreiras das quais nós não falamos, das linhas de fronteiras que são as mais perigosas e que tememos mais. Além da questão política, Babel é um filme sobre pais e filhos, sobre as relações que temos com as pessoas mais próximas a nós, a incapacidade de nos comunicarmos com elas. A vida não é mais do que compartilhar a dor, repartir o amor, questionar sobre todas as coisas ordinárias que estão ao nosso redor e onde elas nos levam. No filme, os atos errados dos personagens são provocados por inocência, ignorância e até bondade, sentimentos comuns dos seres humanos, mas são interpretados como atos de terrorismo e seqüestro pelas autoridades, como tem acontecido no mundo pós-11 de Setembro."
Origem das tramas
"A primeira história criada foi a dos dois meninos na África e originalmente ela se passaria na Tunísia. Mais tarde decidi levar essa história para o Marrocos, país que visitei quando tinha 17 anos e que me causou muito impacto. Também era importante para mim falar sobre a fronteira entre os EUA e México. E o Japão sempre foi um mistério. Conheci Tóquio em 2000 e achei que deveria filmar lá para resolver esse mistério. Há uma simetria em Babel: são dois países de primeiro mundo e dois do terceiro. Há uma história de terceiro mundistas sobrevivendo em um país de primeiro mundo; outra de primeiro mundistas em dificuldades em um país de terceiro mundo; e sobre primeiros e terceiros mundistas sobrevivendo em seus próprios países. Foi um processo instintivo."
Atores
"A 17 dias das filmagens no Marrocos, não tinha atores para essa seqüência, apenas Brad e Cate. Não encontrando o que precisava na comunidade de atores do Marrocos, decidi visitar os povos pobres para buscar gente nas ruas. Dessa forma, 90% dos atores dessa parte de Babel são amadores. Foi uma decisão que deu personalidade e uma textura diferente ao filme.
No caso específico da escolha de Brad Pitt, parecia-me interessante a possibilidade de falhar na realização do filme, por causa de sua popularidade. Precisava converter aquela estrela, que representa um ícone americano, em um ser humano comum na tela. Esse é o espírito do filme, que Pitt, Blanchett e Gael não sejam as estrelas, mas apenas três seres humanos em um conjunto de pessoas. Foi um trabalho muito profundo deles, que tiveram muita compaixão por seus personagens."
Sucesso como diretor
"Penso que Amores Brutos e 21 Gramas têm uma integridade e tenho privilégio de ter gente que apóia o que tenho a dizer, que acredita no meu trabalho. Um filme rodado em três continentes, com quatro histórias, falado em cinco idiomas, tinha grandes possibilidades de ser um fracasso. Ser diretor de cinema é ter uma atitude, convencer muita gente de suas idéias, buscar apoios financeiros e esse filme teve recursos de vários países, não só dos EUA. Esse filme não é sobre uma nação ou sobre ideologias. Estou cansado das ideologias e das burocracias."
Influências
"Cada história tem várias formas de ser contada. Meu pai, que considero um grande contador de histórias, sempre fez da maneira como faço os meus filmes: desenvolvia a história, ia para o seu final, e depois voltava para lembrar o princípio da história, e daí retomava. A literatura latino-americana também é uma grande influência para mim, Cortázar, Borges, todos que sempre trabalharam a estrutura da história. Amores Brutos foi meu exercício mais extremo em termos estruturais e Babel talvez seja meu filme mais linear. Tenho influência dos estruturalistas do cinema como Jean-Luc Godard e Alain Resnais, também de Kurosawa. Mas não posso apontar nada muito específico. Sofro de um grande déficit de atenção e sempre tive a idéia de que o cinema é uma experiência emocional fragmentada. As cenas são filmadas independentemente, às vezes com meses de distância uma da outra, mas depois é criada uma unidade. Sempre estamos criando nossa realidade com fragmentos, seja do passado, do que pensamos em fazer no futuro, do que estamos fazendo no momento. No cinema e na literatura, estão desaparecendo as formas tradicionais e rígidas de narrativa."
Latino-americanos em Hollywood
"Curiosamente este ano, Alfonso Cuáron, Guilhermo Del Toro e eu estamos estreando nosso filmes na mesma época nos EUA. Temos uma relação estreita de amizade, desde quando vivíamos no México. Os três filmes coincidem tematicamente, como se fizessem parte de uma trilogia, mas não planejada. Todos as produções falam sobre terrorismo, autoritarismo, imigração, temas do século 21. Del Toro revisa o passado, falando da Guerra Civil Espanhola em El Labirinto del Fauno, eu tenho temas do presente em Babel, e Cuáron trata do futuro em Filhos da Esperança. Estamos contentes com essa coincidência e muitos jornais e revistas estão falando dela nos EUA.
Nós três, mais Walter Salles e Fernando Meirelles, temos o privilégio de fazer o cinema que queremos, que o chamo de nômade, por não estar ligado a uma determinada bandeira ou país. Tenho absoluta liberdade, meus três filmes são obras completamente independentes, em que tomei todas as decisões, as boas e as más. Se o filme é ruim, a culpa é só minha, não do estúdio. Posso rodar em qualquer parte do mundo com recursos globais, sempre com minha equipe Guillermo Arriaga no roteiro, Rodrigo Pietro na fotografia e Gustavo Santaolalla na trilha sonora.
Isso não acontecia antes no cinema latino-americano, mas agora ele está sendo superior a muitas outras cinematografias do mundo, tem uma urgência, histórias humanas e importantes, sensíveis, de coisas que valem a pena falar."
EUA
"Moro há cinco anos nos EUA. Para mim, mais que governo, os EUA são na verdade um regime. Mais do que intolerância, o que está acontecendo lá é uma agressividade tremenda. As leis contra o terrorismo estão intensificando o racismo e xenofobismo não só nos EUA, como na Europa. Os países estão fechando as possibilidades de se encontrar um equilíbrio. Os americanos estão a ponto de construir o maior muro do mundo, jamais construído (na fronteira com o México). E, contraditoriamente, é esse o país que vende a idéia de democracia para o mundo, através das guerras.
Os EUA são um país muito complexo, diverso, polarizado. Metade da sociedade é liberal-democrática e a outra metade é republicana. Eu gosto dos EUA porque ele são uma orgia cultural. A distância para o meu país, a consciência de imigrante, me deu uma perspectiva, uma riqueza, uma vulnerabilidade que, como artista, gera novas curiosadades, medos e temas para explorar. Vivi no México durante 37 anos e regresso muito para lá. Mas acho que, para um artista, é muito importante sair de seu território de conforto.
A tranqüilidade no meus país não me gerava muitas necessidades e é por isso que vivo nos EUA."
Novos projetos
"Estou trabalhando em dois projetos e não sei qual será o primeiro a ser filmado. Na realidade, acho gostaria mesmo de umas férias por um tempo."
Julgamento do Marco Civil da Internet e PL da IA colocam inovação em tecnologia em risco
Militares acusados de suposto golpe se movem no STF para tentar escapar de Moraes e da PF
Uma inelegibilidade bastante desproporcional
Quando a nostalgia vence a lacração: a volta do “pele-vermelha” à liga do futebol americano
Deixe sua opinião