Paulo Emílio Sales Gomes (1916 -1977) fez muita coisa. Foi militante precoce, prisioneiro político (e fugitivo) da ditadura Vargas, historiador, professor, escritor de ficção. Foi, sobretudo, o mais importante crítico de cinema do país durante quatro décadas do século 20.
Curiosamente, Paulo Emílio refutava o título de especialista. Tampouco era cinéfilo, no sentido que a expressão tem atualmente ao designar o “rato de cinemas” que vê o mesmo filme dezenas de vezes. Era a potência social e humanista do cinema que o fazia passar a roleta.
Não podemos deixar de temer que essa obra sem inocência e sem nobreza mate o desenho animado, do qual tanto se esperava. Quero esquecer Fantasia. Quero agora rever Cidadão Kane muitas vezes, mergulhar em Cidadão Kane, tomar banho em Cidadão Kane. Porque o cinema moderno suja.
“O cinema passou a captura-lo à medida que constatava sua inapetência para o exercício político. Ele se interessava pelo cinema porque o cinema interessava a toda a gente”, diz Carlos Augusto Calil, professor da USP e curador da coleção Paulo Emílio, projeto da Companhia das Letras de reeditar a produção do ensaísta.
Os dois primeiros volumes acabam de sair: O Cinema no Século, com ensaios escritos entre 1941 e 1970, e o romance Três Mulheres de Três PPPês .
A intenção consciente de Eisenstein era fazer ateísmo, porém o ritmo singular, com algo de dignidade e do esplendor de um ritual religioso, obtido pela montagem, e provavelmente sua fascinação latente pelo fenômeno do misticismo dão a cena uma amplidão e uma ressonância que escapam certamente dos objetivos procurados.
Ambos os livros trazem prefácios, notas e posfácios de autoria de críticos familiarizados com a obra de Sales Gomes que servem para mostrar ao leitor de hoje a força e a pertinência do autor em sua abordagem peculiar da arte do cinema.
Uma relevância que pode ser medida ainda hoje não só na crítica, terreno em que abriu caminho para gerações de estudiosos, mas “também na criação de cursos de cinema no país, tendo contribuído muito para consolidar o cinema como área de estudos de história, crítica e estética”, observa o crítico de cinema Paulo Camargo.
A militância política do trabalho de Paulo Emílio também é destacada por Camargo, especialmente “no que se refere à valorização do cinema brasileiro e da arte de fazer filmes”.
Aos olhos de Roger Vadim, as duas formas de participação no progresso são a irresponsabilidade e a política.
Paulo Emílio foi o fundador da Cinemateca Brasileira. Muitos dos ensaios do livro O Cinema no Século tiveram origem na programação que ele imaginava para a entidade cuja criação foi sua maior luta pessoal e que hoje o tem como patrono.
Assim, seus textos sobre cinema não tratam sobre os lançamentos da semana, mas se ocupam de situar as obras dentro do contexto social, político e econômico em que eram produzidas, discutindo seu significado no momento histórico em que foram realizadas.
Livro
Paulo Emílio Sales Gomes e Carlos Augusto Calil (org.). Companhia das Letras, 616 pp., R$ 54,90,
A vida na Europa também permitiu que Paulo Emílio antecipasse tendências e forjasse para o público brasileiro um panteão cinematográfico a partir de seu gostos.Para ele, se ombreavam em importância nomes como os de Charles Chaplin, Sergei Eisenstein, D.W. Griffith, Jean Renoir, Federico Fellini e Orson Welles.
Hoje esses nomes já estão entronizados na cabeça dos fãs de cinema, mas, quando Paulo Emílio escreveu sobre eles, eram apenas cineastas contemporâneos e suas obras passavam por um processo de consagração no qual seus ensaios, certamente, tiveram influência.
TRAJETÓRIA
Paulo Emílio Salles Gomes nasceu em São Paulo, em 1916.
1935
Organiza a revista Movimento
1937
Preso por ser militante comunista, consegue fugir por um túnel cavado na cela. E se exila na França
1939
Volta ao Brasil, cursa filosofia na USP e escreve seus primeiros ensaios na revista Clima.
1946
Ganha uma bolsa do governo francês e vive os dez anos seguintes em Paris estudando cinema
1956
De volta ao Brasil foi um dos organizadores da Filmoteca do Museu de Arte Moderna de São Paulo, depois Cinemateca Brasileira.
1961
Casa-se com a escritora Lygia Fagundes Telles
1964
Funda o curso de cinema na Universidade de Brasília
1968
Dá aulas sobre História do Cinema Brasileiro na Escola de Comunicações e Artes da USP.
1977
Morre em São Paulo Vítima de um ataque cardíaco, poucos meses depois de publicar Três mulheres de três PPPês.
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