Belo Horizonte - Vieram de Belo Horizonte alguns dos espetáculos mais memoráveis da história recente do Festival de Curitiba, sobretudo Por Elise, com o qual o grupo Espanca! despontou no Fringe e ganhou notoriedade para retornar na mostra oficial com Amores Surdos, e Aqueles Dois, da Cia. Luna Lunera, que depois de sensibilizar a pequena plateia do Paiol não parou mais de percorrer o Brasil e, dois anos mais tarde, ainda está bem vivo em uma temporada de dois meses no Centro Cultural Banco do Brasil, do Rio de Janeiro.
Pois é pela trilha aberta por esses conterrâneos que avança agora a companhia mineira Quatroloscinco, formada em 2007 no curso de teatro da Universidade Federal de Minas Gerais, ao trazer ao Fringe 2010 o espetáculo que foi considerado um dos melhores do ano passado em Belo Horizonte. É Só uma Formalidade vem com as despesas pagas a convite de Chico Pelúcio, ator do Grupo Galpão que teve a responsabilidade de escolher as montagens que habitarão o Mini-Guaíra nas duas semanas finais de março.
Nascida como uma breve inspiração na obra Solo los Giles Mueren de Amor, do diretor argentino César Brie, feita para o 9.º Festival de Cenas Curtas do Galpão Cine Horto, a peça cresceu e estreou de fato na capital mineira em setembro de 2009, para voltar ao cartaz por lá no último fim de semana, como parte da programação do festival Verão Arte Contemporânea, evento que reúne grupos teatrais jovens e inquietos, e se estende para a dança, a música, a gastronomia e as artes visuais.
Os ecos das precursoras mineiras se ouvem em É Só Uma Formalidade, e são reconhecidos pelos artistas envolvidos na criação do espetáculo, desde o texto à atuação. "Moramos na mesma cidade, somos amigos, discutimos criação e acaba que compartilhamos de pensamentos parecidos", diz o ator Ítalo Laureano, confirmando que os trabalhos das companhias mencionadas na abertura deste texto os tocam e, portanto, os influenciam. A semelhança entre todos, crê Laureano, está, por exemplo, na invenção de metáforas para "mostrar o que está por baixo de uma coisa à primeira vista comum, mas que revela suas profundidades nos detalhes".
Em Por Elise, os abacates caindo sobre o palco davam materialidade ao aviso de "cuidado com o que você planta no mundo". Os atores de Aqueles Dois se moviam entre os objetos remodelando cenários e escapavam da lógica interna da trama para sobrepor uma camada de comentário. É Só Uma Formalidade se aproxima de ambas no trato das sutilezas, mas também nesse modo de manusear a realidade. Se é basicamente "o combate das relações humanas" o que sucede na peça a partir de dois fios de história puxados por um casal e dois amigos, o espectador o vê literalmente, como sentimento materializado, já na cena inicial em que os quatro personagens treinam boxe. No auge da tensão entre dois deles, o grito ou o tapa que poderia vir se desfaz num sopro, outra vez literal, que desconcerta quem está dentro e fora da cena.
O Quatroloscinco não seria tão bem-sucedido não fosse exatamente essa preocupação visível com quem os testemunha, o público. Durante o Verão Arte Contemporânea, É Só Uma Formalidade foi apresentada no pequeno teatro Caixa Clara, com a plateia cercando o palco, próxima.
A presença do espectador é um trunfo com o qual o grupo joga, trazendo-o para o interior daquele universo proposto com humor e ironia. "Talvez o nosso diferencial em relação a todos esses outros grupos seja que nós propomos algo muito bem definido de proximidade com a plateia e da quebra de formalidades do próprio evento teatral. Penso que vamos num ponto muito alto da franqueza e da sinceridade. Tudo é muito simples, quase não tem nada de artificial", diz Laureano.
O casal de personagens vive um impasse não declarado. Ele quer ir embora, ela se nega a dar-se conta. A mala que passa das mãos de um para o outro se transforma, em poucos instantes de descanso sobre o chão, no caixão do pai do terceiro personagem que precisa decidir se vai ou não ao enterro e as duas tramas nunca se encontram, senão por essas coincidências que as relacionam fisicamente. Também pelos sentimentos que elevam: a frustração, a tentativa, a dúvida, o desamor, a carência. E a consciência de que "a vida não é bonita o bastante" e por isso nos deixamos levar pela ficção.
Serviço:
É Só uma Formalidade. Dramaturgia, direção e atuação de Ítalo Laureano, Rejane Faria, Assis Benevenuto e Marcos Coletta. . Com o grupo Quatroloscinco. Mini-Guaíra (R. Aminthas de Barros, s/nº), (41) 3047-9000. Dia 25 de março às 21 horas, dia 26 às 12 horas, dia 27 às 15 horas, dia 28 às 18 horas. R$ 12 (inteira) e R$ 6 (meia).
A repórter viajou a convite do festival Verão Arte Contemporânea.
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