Opinião: Cientistas encastelados prejudicam a si mesmos
O norte-americano já foi muito fascinado pela ciência, mas hoje não é mais. Cientistas, políticos, jornalistas, religiosos todos são responsáveis por isso, afirmam Chris Mooney e Sheril Kirshenbaum, autores de Unscientific America, lançado em 2009 e ainda sem edição brasileira.
Sem dúvida, o interesse do público leigo pela ciência parece crescer no Brasil, e uma prova disso seria o aumento do contingente de leitores aficionados pelo assunto. O bom número de livros editados e efetivamente vendidos, e a quantidade de revistas especializadas publicadas no país também passam, a um observador atento, uma impressão positiva de crescimento e melhora. Entre jornalistas e cientistas, no entanto, não há consenso quanto a essa questão. A geneticista Lygia da Veiga Pereira, por exemplo, acredita que sim, há um crescente interesse popular pela atividade científica. Para ela, essa atenção se intensificou a partir dos anúncios da clonagem da ovelha Dolly, em 1996, e do mapeamento do genoma humano, em 2000. "Talvez até por estes serem temas mais próximos de uma aplicação, mesmo que por vezes um pouco fantasiosa", explica Lygia.
Aplicação é a palavra. Se, por um lado, o diretor de redação da Superinteressante, Sérgio Gwercman, não acha que os leitores andem verdadeiramente mais interessados pela ciência, por outro, imagina que estejam, sim, mais curiosos em relação à aplicação do conhecimento científico no seu dia a dia. "Atualmente, há tanta informação disponível na internet, por exemplo, que as pessoas precisam de ajuda até para navegar", afirma. "E a ciência pode ajudar, sim, e sair em busca de respostas para aquelas pessoas que querem saber se a homeopatia realmente funciona, ou se comer carboidrato à noite engorda mesmo. A ciência é quem melhor responde a essas questões."
Jones Rossi, editor de Ciência e Saúde da Veja.com, concorda com Gwercman. Ele não acredita que tal recrudescimento do interesse pela ciência exista de fato no Brasil. "Mas talvez as pessoas estejam percebendo que a ciência está presente em suas vidas o tempo todo e, naturalmente, queiram saber mais a respeito", arrisca. "Hoje, a tecnologia parece ser capaz de tudo e ninguém quer ficar de fora disso seja sabendo como um celular funciona ou se inteirando acerca das novas descobertas médicas proporcionadas por equipamentos que escaneiam nosso cérebro." Rossi vai além, e dá um exemplo ainda mais simples: "Atualmente, a ciência é capaz de responder não só a porquês técnicos, mas também aos porquês do amor e da vida em geral".
Pseudociência
"É inevitável que esse interesse pela ciência cresça, pois a cada dia vemos mais temas científicos adentrando nosso cotidiano", lembra Salvador Nogueira, editor da Conhecer, destoando, apenas em parte, do discurso de seus colegas. Para ele, assuntos como clonagem, exploração espacial, engenharia genética, transgênicos e potenciais catástrofes ambientais há muito deixaram de ser tema para a ficção científica e passaram a integrar a rotina dos cientistas. "E é claro que a sociedade precisa participar dessas discussões, determinando limites para certas linhas de pesquisa e elencando prioridades."
E aí a conversa cai, mais uma vez, no âmbito jornalístico. Nogueira é quem retoma o assunto: "Finalmente, alguns veículos começaram a explorar a demanda reprimida que existia para o conteúdo qualificado de ciência". Afinal, defende ele, todas as pessoas têm, de forma inata, algum tipo de curiosidade científica. "A elas, só faltavam as formas de exercer essa curiosidade, e essa tendência de crescimento vem justamente tentar explorar esse potencial no Brasil."
Assim, para o físico e escritor Marcelo Gleiser, o público sempre alimentou um interesse satisfatório pelos temas científicos. Mas, antes, não havia meios de divulgação adequados para evidenciar essa realidade. "Agora, os cientistas estão mais interessados em divulgar o que fazem, e a mídia também", diz. Por outro lado, Gleiser supõe que tudo isso seja uma decorrência do desenvolvimento da própria ciência durante o último século: à medida que ela lidava com questões mais fundamentais, relacionadas com a origem do universo, da vida e da mente, mais os leigos se deixavam cativar. O que, em alguns casos, pode ser um perigo. "Veja o caso da pseudociência e da autoajuda, que usam conceitos científicos fora de contexto, como cura quântica e consciência cósmica para atrair as pessoas", denuncia Gleiser. "Numa era em que a religião deixou de ser a fonte de explicação da natureza, a ciência assumiu um papel importante. E, infelizmente, os aproveitadores também."
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