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Saviano (esq.) e Bukowski: a vida em intervalos duros e irregulares | Felipe Lima
Saviano (esq.) e Bukowski: a vida em intervalos duros e irregulares| Foto: Felipe Lima

Lançamento

Miscelânea Septuagenária – Contos & Poemas

Charles Bukowski. Tradução de Pedro Gonzaga. L&PM, 392 págs. R$ 54,90. Poesia e conto.

Poucas coisas são mais irritantes na pequena maçonaria literária do que os imitadores de Charles Bukowski (1920-1994), um dos mais icônicos escritores do século 20. De modo geral, quatro assuntos interessavam muito ao teuto-americano e justificam seu séquito: a bebida, os jogos de azar, as mulheres e o fracasso, não necessariamente nessa ordem. E se você, leitor, leitora, se identifica com um dos arquétipos, certamente gosta(rá) do Velho Buk, sendo ainda mais considerável, no caso dos leitores-escritores-jornalistas culturais, encontrar um que não tenha tendência ao vício, à sarjeta e à tristeza.

E o escritor tem alguma culpa por sua procissão de emuladores? Definitivamente, não. E Miscelânea Septuagenária – Contos e Poemas, lançado recentemente pela L&PM Pocket, comprova isso de modo contundente: uma coletânea vigorosa, irregular como se fosse uma fotografia literária da vida de Bukowski, e, sobretudo, um apanhado de lembranças e desilusões marcado por momentos em que o "velho safado" acerta no coração – e quando ele, acerta, meu caro, não é pouca coisa.

Espécie de ode aos marginalizados, Miscelânea..., até então inédito no Brasil, foi escrito em 1990, quando o autor atingia os seus 70 anos – o que, convenhamos, é um mérito para quem bebeu mais de três oceanos (incluindo também os rios do mundo e seus afluentes). Aqui estamos diante de um de seus livros mais maduros, embora não libertado dos excessos de sempre. Em "os críticos de cinema", o autor comenta, em tom de deboche, as impressões de seus pais sobre um cineasta francês. O poema vai se costurando numa cadência encantadora de tão banal e solitariamente pertencida ao mundo que carregamos diariamente. Até que a narrativa chega no território que mais entende e gosta de mensurar: ele mesmo.

"[...]quanto a mim,/ gosto de filmes sobre a Primeira Guerra/ Mundial/ em que os/ pilotos de combate/ estão sempre apaixonados pela/ mesma/ loira aguada/ e todos eles sempre/ se embebedam no/ bar/ antes/ de decolar..."

Incêndio do sonho

Umas das coisas que Bukowski sabe fazer bem é aumentar nosso repertório de palavrões. E há muitos nessa coletânea. Mas, por mais incongruente que possa parecer, sua linguagem desconstruída e direta funciona melhor na poesia sem métrica definida do que nos contos, embora, em determinados momentos, nem saibamos mais onde termina o conto e começa a poesia. Um trecho de "se você deixar que eles o matem, eles o farão" deixa isso bem explícito:

"o turno de Fletcher começava duas horas depois do meu e quando ele/ entrava/ todos os caras começavam a escarnecer e gargalhar: "Ei, Hank, aí está/ seu camarada Fletcher!"// era o mesmo noite após noite: ele era "inteligente", as/ mulheres o "amavam" e ele podia realmente "mandar brasa".// enquanto isso eu vivia com uma mulher que era alcoólatra e infiel".

De desilusão em desilusão, enterrando os sonhos na memória e na melancolia, Bukowski vai se aprofundando na decrepitude, mas sem perder algum rastro de beleza, como se à beira do precipício tocasse Cavalgada das Valquírias.

Por isso, entre 80 poemas e 20 contos, um, chamado "ruína", acaba realizando um recorte quase preciso desse autor demasiado humano: "é somente quando/ aquela vida/ arruinada/ torna-se a nossa/ que percebemos/ então/ que os suicídios, as/ bebedeiras, a loucura, a/ cadeia, as boletas/ e etc.etc./ são coisas normais/ uma parte da existência/ como o gladíolo, o/ arco-íris/ o/ furacão/ e nada/ resta/ na prateleira da cozinha."

Quando até as flores se embriagam em silêncio. GGGG

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