Uma luz na escuridão: na era da informação on-line, as bancas ainda são referência| Foto: Antonio Costa/Gazeta do Povo

O lugar é um pouco maior e mais retangular do que um elevador – mas pense nele abarrotado de jornais, revistas e doces. A geladeira de refrigerantes deixa o espaço ainda menor. À esquerda de quem entra, sentada numa cadeira que a deixa pequenininha, está dona Lola. Ela admitiu primeiro ter mais de 70 anos e só contou a idade exata depois que o jornalista prometeu guardar segredo. "Fica entre nós", disse, dando uma gargalhada espontânea.

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Leonor Santos Zem, dona Lola para os mais próximos (que são todos os que põem os pés na banca), viveu sempre entre papéis. Entrou para o ramo aos 13, ajudando os pais, e é hoje a jornaleira mais antiga de Curitiba, com mais de 60 anos na lida. "Dona Lola!", disse o rapaz que surgiu na porta, interrompendo a entrevista. "Ué, o que a senhora fez aqui?", indicou o topo do nariz.

"Eu caí na rua!", respondeu dona Lola e riu da própria resposta. "Ainda bem que não quebrei os óculos!" O episódio é uma amostra do seu temperamento: ela sabe tirar de letra situações difíceis. O rapaz conversou mais um pouco e foi embora. Dona Lola poderia abraçar a aposentadoria e largar o trabalho, mas diz que não toleraria a rotina sem ele. Gosta demais de conviver com as pessoas que passam pela banca, quase na esquina das ruas Marechal Deodoro e Monsenhor Celso, a poucos passos do Bradesco, no Centro.

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A reportagem conversa com dona Lola para entender o que as bancas de revistas representam hoje, com a internet roubando leitores das publicações em papel. Ela desvia o olhar para acessar a memória e levanta da cadeira antes de começar a falar. "Ih, a internet... Hoje, tudo é internet, internet, internet...", disse.

Talvez seja estranho para quem tem menos de 30 anos, mas, duas décadas atrás, quando alguém precisava saber a língua oficial da África do Sul (na verdade, são 11, incluindo o africâner), podia recorrer à banca. Havia revistas e almanaques para responder a uma quantidade im­­pressionante de dúvidas. Hoje, há o Google, ou a Wikipedia (consultada aqui sobre a questão da língua sul-africana).

Apesar das mudanças nos hábitos de leitura, as bancas continuam sendo referência. Não como antes, claro, mas continuam.

Olhe para uma banca. Nada do que ela vende é exclusivo. Jornais, revistas, doces, cigarros e recargas de celulares. E figurinhas da Copa do Mundo (jornaleiros fazem hurras para elas).

São 193 bancas em espaços públicos da cidade. Se somar as revistarias – que vendem os mesmos artigos da banca, mas ocupam espaços diferentes como shoppings ou supermercados –, o número passa de 600. A questão é: por que as pessoas vão a uma banca e não a outra? Ou por que alguém vai a qualquer banca?

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Uma das respostas é dona Lola. Mas também é a amiga dela, Aurélia Miranda de Souza, que fica atrás do balcão e ajuda Lola.

Na banca do Largo Doutor Theodoro Bayma, no Batel, a resposta é Mario Henrique Blas­­kievicz e também Hideo Koma­tsubara, o seu Hideo.

Você pode ler o que quiser na internet, mas não terá a chance de ouvir o seu Hideo perguntar do seu filho e mandar para ele alguns dadinhos de amendoim. Não vai caminhar até a banca num domingo de sol e céu azul, dar um oi para o Mario (que nunca mais esquece seu nome) e comentar a manchete do dia e o resultado do jogo de ontem. Não poderá reclamar para dona Lola que o marido ou namorado é um insensível e por isso a relação não vai bem.

"Banca de revistas é um pouco como salão de beleza", disse Mario. "As pessoas gostam de desabafar."

"Eu ouço as histórias e procuro ajudar, falando um pouco da minha experiência", disse dona Lola, três filhos e viúva de um casamento de quatro décadas. Corações partidos parecem ser a especialidade dela. Clientes choram paixões, casamentos desfeitos e relações que não dão certo.

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"A senhora ainda tem Cole­guinhas?", perguntou o senhor grisalho de terno, criando mais um intervalo na entrevista.

"Tenho e é o último!", disse dona Lola, que adora exclamações. Virando para o repórter: "Esse jornal vende muito bem!"

É um classificado erótico. A garota na capa está de costas e vestida da cintura para cima. O homem paga o jornal e vai embora.

Os números variam de acordo com o ponto, mas Mario calcula que as publicações respondem por 20% dos lucros de uma banca – 10% para jornais e o mesmo percentual para revistas. O produto mais rentável é o cigarro, que representa 35% dos rendimentos líquidos. Em segundo lugar, com 30%, estão os doces. Os 15% restantes são de recargas de telefone.

Durante uma das longas entrevistas, Mario atendeu 13 clientes, chamando sete deles pelo nome. Três compraram jornais – dois levaram Gazeta do Povo –, três torraram dinheiro com figurinhas da Copa, dois pediram doces e cinco compraram cigarros, soltos e em maço (alguns pediram também Clorets verde para rebater o mau hálito).

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Casado e com um filho, Mario é talvez o mais jovem jornaleiro da cidade, com 36 anos de idade e 16 meses no ramo. Comprou a banca do genro do seu Hideo e ficou feliz quando soube que ele estava disposto a continuar trabalhando. Os dois se revezam no atendimento de 12 horas diárias, das 8h às 20h.

O interesse de Mario no negócio é fascinante. Foi um investimento de risco calculado, feito depois de ter saído de um emprego que não tinha futuro.

Mario soube que a banca estava à venda nos classificados do jornal.