| Foto: Arquivo pessoal
O poeta francês Arthur Rimbaud

Entrevista com Ivo Barroso, tradutor.

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Ivo Barroso levou tradução a sério numa época em que isso ainda era raro no mercado editorial brasileiro – lá pela década de 1970. Depois de receber o prêmio Jabuti pelo trabalho de verter ao português toda a poesia e todo o teatro de T.S. Eliot, Barroso alcança outro marco em sua carreira.

Com a publicação recente de Correspondência, pela Topbooks, ele se tornou o responsável por traduzir a obra completa do poeta francês Arthur Rimbaud (1854-1891) no Brasil. A série tem três volumes. O lançamento se junta à Prosa Poética e à Poesia Completa, ambas revistas e reeditadas.

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Na entrevista a seguir, Barroso fala, justamente, sobre a Correspondência, comenta sua relação com a obra de Rimbaud – que já dura mais de três décadas – e diz qual é o erro de embarcar no mito do poeta sem dar a atenção devida aos seus versos.

Há quem identifique em Rimbaud a atitude de um astro do rock, um ícone a ser cultuado por adolescentes – algo que a cineasta polonesa Agnieszka Holland tentou explorar em O Eclipse de uma Paixão (1995), colocando o ator Leonardo DiCaprio para interpretar o poeta. O que pensa dessa imagem que se faz de Rimbaud?

Acho uma "capitis diminutio", já que Rimbaud é seguramente um dos maiores poetas da França e do mundo. Aliás a exploração da vida de Rimbaud tem sido danosa ao conhecimento de sua obra, que é o que de fato interessa a quem esteja à procura de Poesia.

É possível que o mito em torno de Rimbaud atrapalhe a percepção que se tem hoje de sua obra?

É exatamente o que esbocei dizer na resposta anterior. Temos presenciado o aparecimento de inúmeras obras sobre a vida de Rimbaud e pouquíssimas sobre a sua poesia. É verdade que sobre esta já foi dito tudo ou quase tudo no passado; os estudos críticos vasculharam os poemas, os versos, as frases, a pontuação (há uma discussão sobre uma vírgula num dos poemas), bem – isto em outros domínios linguísticos – no Brasil só agora aparece uma edição da obra completa, ao passo que em inglês e italiano, por exemplo, cada editora famosa tem a "sua" edição integral.

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Mallarmé teria dito que Rimbaud era uma espécie de "hooligan" que poderia causar danos à literatura francesa – e, de fato, causou. Na sua opinião, quais foram esses "danos"? O que a poesia dele fez para literatura francesa (e para a universal)?

Rimbaud tinha a perfeita noção de que a literatura francesa estava num impasse e que era necessário criar uma linguagem nova. Deve-se a ele a liberdade de ousar a imposição do novo como sendo o desígnio final da arte. Foi ele quem desconstruiu o alexandrino, iniciou o verso livre, elevou o poema em prosa à condição de grande poesia.

O biógrafo britânico Graham Robb defende que Rimbaud, ao abandonar a literatura e viajar pela África, transpôs sua obra para sua vida. Esse seria um dos valores da correspondência do poeta porque ela, de certa forma, dá sequência aos escritos poéticos. O senhor concorda com essa ideia?

Tenho sustentado que o abandono da poesia por ele se deveu ao fato de ter consciência de que havia chegado ao ponto máximo, ao páramo a que a poesia poderia alcançar. Continuar seria se repetir, o que não era seu intento. Fechou as malas e foi ganhar dinheiro, mas nessa nova vida continuou se distinguindo pelo seu anseio de sempre fazer melhor, de ir mais além, de buscar o desconhecido. A correspondência dita "africana" do poeta é condizente com essa transformação, com essa assunção de uma nova vida; nela não há o menor vestígio literário, embora não seja despida de sentimentos humanos.

O mesmo Robb diz que as cartas de Rimbaud eram mais acuradas na análise dos países que visitou na África do que inúmeros relatórios diplomáticos e que as cartas teriam influenciado a visão da França sobre o mundo estrangeiro. Como o senhor acha que deve ser lida a correspondência de Rimbaud? Qual é a conexão mais evidente dela com sua obra poética?

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Sob certo aspectos, a correspondência "africana" é a negação da obra poética de Rimbaud. Seu espírito observador, sua capacidade de expressão certamente fazem de seus relatórios documentos preciosos da historiografia de viagens; há passagens bem mais explícitas e detalhadas do que os estudos geográficos da época; mas nada encerram do que chamamos de literatura, algo que era a nota dominante de sua correspondência nos chamados "anos literários" (vide, por exemplo, a "Carta do Vidente").

Nas suas palavras, o que a correspondência publicada agora pela Topbooks revela sobre Rimbaud?

Tudo, principalmente tudo sobre o "outro" Rimbaud, o que deixou a literatura no auge quando a maioria ficaria colhendo os louros de suas conquistas, aparecendo nos jornais e nas livrarias, possivelmente até ganhando algum com a venda de seus livros, além de se tornar uma "figura notória". O que a correspondência revela, principalmente, é a outra face de sua personalidade, a determinação de ganhar dinheiro, voltar para viver de rendas, casar-se, ter um filho e fazer dele um engenheiro (ou seja, o oposto de um literato).

Robb escreveu sobre Rimbaud dizendo que "poucos poetas lucraram tanto com má poesia". Em meio à produção de Rimbaud, existem versos ruins? (É uma pergunta estranha, mas ninguém costuma falar sobre a parte da obra que não é genial.)

É preciso interpretar de maneira correta as palavras de Graham Robb, que aliás não é autoridade reconhecida da obra de Rimbaud; você não vê essa afirmativa em nenhum dos grandes especialistas do assunto, como Alain Borer, Yves Bonnefoi, Jean-Jacques Lefrère, Pierre Briunel, André Guyaux, etc. A produção poética de Rimbaud, da primeira fase, a partir de "Sensação", é uma espécie de escada de excelência, ou seja, cada um dos poemas é mais "conseguido", mais avançado, tecnicamente mais perfeito que o outro, até atingir os zênites de "Memória" e "O Barco Ébrio". A segunda fase, os chamados "Novos versos e canções", encerra alguns dos mais importantes poemas da literatura francesa, e, finalmente, as "Iluminações", que até hoje são consideradas ponto de referência de toda a poesia moderna. Talvez o que Robb quisesse equivocamente dizer é que, na edição da obra de Rimbaud, ela própria muito reduzida, os organizadores transcrevem poemas-brincadeira (o chamado Album Zutique e outros fragmentos, que na verdade, não são poesia, mas divertimentos rimados). Pode-se também arguir que alguns dos versos da quase-infância, quando Rimbaud ainda imitava Hugo e Banville, sejam medíocres, e são; sua presença na coletânea serve talvez para mostrar o "salto qualitativo" que um menino é capaz de dar ao passar dos 14 para os 15 anos.

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Como se deu seu primeiro contato com a obra de Rimbaud? Ao longo das décadas, o que o manteve interessado no poeta de Charleville?

A história é longa e não vale a pena repeti-la aqui. Sintetizo: o primeiro poema de Rimbaud que li foi o "Soneto das Vogais"; traduzi-o e levei-o ao "Suplemento Dominical" do Jornal do Brasil (aí por 1955) que me acolhera em sua redação. Fiquei sabendo que o poema já havia sido traduzido diversas vezes e me aconselharam a traduzir os versos rimados que aparecem da "Estadia..." (que eu não conhecia.) Comprei o Arthur Rimbaud – Poètes d’Aujourd’hui, de Claude Edmonde Magny, edição Seghers. Era uma antologia, mas a leitura da "Estadia" me transtornou e me prometi que, mais tarde, haveria de traduzi-la. O que me manteve interessado na obra ao longo de várias décadas foi a decisão de traduzir a obra completa e a leitura das duas centenas de livros que tenho sobre o assunto.

A primeira tradução de "Uma Estadia no Inferno" foi publicada em 1970. Desde então, o senhor verteu ao português toda a obra de Rimbaud – missão concluída agora, com a edição da Correspondência. Depois de tanto tempo dedicado à obra de Rimbaud, eu poderia perguntar que marcas esse trabalho deixou no senhor?

A minha foi em 1977. Antes de mim, Xavier Placer em 1952 traduziu-a como "Uma Estação no Inferno" e 1957, Lêdo Ivo, como "Uma Temporada no Inferno"; homenageei esses dois pioneiros (e mais o português Mário Cesariny de Vasconcelos) dedicando-lhes o segundo volume, Prosa Poética. Deixou-me o conhecimento de um grande poeta, a satisfação de ter conseguido, ao traduzi-lo, produzir alguns belos versos que eu adoraria fossem só meus. Deu-me, é certo, muito trabalho traduzir, rever minuciosamente cada reimpressão, falar a respeito, manter-me em dia com o que ia aparecendo sobre ele.

Para o senhor, quem é Arthur Rimbaud?

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Um jovem poeta genial.

Serviço

Correspondência, de Arthur Rimbaud. Topbooks, 474 págs., R$ 59.