A noiva desceria de um carrão em frente ao relógio da Rua XV. Usaria um vestido emprestado de uma amiga, véu e grinalda inclusos.
O filho do outro casamento estaria pela primeira vez dentro de um terninho justo e escuro.
O noivo andava atarefado com a invenção de moda, que marcaria época em Curitiba: trocar alianças em plena Boca Maldita às 17 horas de uma quinta-feira, dia 3 de dezembro de 2015.
Depois do vaivém de alvarás, houve enfim autorização da prefeitura para o casamento público.
Convidou amigos, planejava o jantar para 60 convidados, insistia na presença fundamental de dois casais de padrinhos e não cabia em si de tanto sorriso. O fato de ser um palhaço profissional tinha pouco a ver com isso.
Chameguinho queria casar no lugar em que passou 28 anos de seus quase 40 de vida. “Estava tudo certo, estava tudo certo”, repete várias vezes o palhaço, como se ainda não acreditasse na piada de mau gosto que a vida resolveu contar no sábado, 3 de outubro: a noiva morreu.
Analfabeto, Chameguinho fundou biblioteca na Vila Torres
O palhaço não sabe ler. Ele confessa ao mostrar como o celular “mágico” transforma o que fala em mensagem de texto, nem sempre literal, mas compreensível
Leia a matéria completaFoi um infarto daqueles fulminantes. Ela era morena, magra, tinha cabelo comprido e 24 anos. Passou a infância colhendo café no interior. Não tolerava as piadas de Chameguinho, mas gostava demais da companhia de Carlos Roberto Teles.
“Palhaço chora, sim. Quando tira a maquiagem, volta tudo ao normal”, diz ele, sentado na XV (onde mais?) antes de acender um cigarro e botar os óculos escuros no rosto cansado de sol.
Para lidar com o golpe, a receita é trabalho. Passados velório e enterro, voltou ao picadeiro público.
Conhece cada farpa do bondinho (dormiu embaixo dele algumas vezes), os habitués do Bar Mignon, os músicos de rua e os policiais militares que fazem ronda na área – durante a conversa, o atazanaram, perguntando se estava de folga e tal.
Neste domingo (11), irá animar o aniversário de uma criança especial; amanhã, faz um especial de Dia das Crianças. Também canta o almoço do dia em um restaurante ali perto. E assim vai.
“É como numa festa. Você está no meio das pessoas, se divertindo. Aí todo mundo vai embora. Como você se sente?”, pergunta Carlos, que utilizava um laço em homenagem ao “Outubro Rosa” na camiseta branca. A bengala que usa não é ode à Chaplin. A coluna e as pernas já bambeiam.
Carlos conheceu a noiva na Praça Rui Barbosa há um ano e meio.
Ela vinha do interior para uma consulta na Santa Casa – o coração nunca foi firme. Estava sentada num banco, quando uma pomba bateu as asas em sua testa, às 8h45 da manhã.
Carlos achou graça e foi puxar papo. “Sentei ao lado dela para amarrar um sapato sem cordão”, brincou. Em dois meses, estavam morando juntos em uma casa no Sítio Cercado. Casar foi um pulo. Sua foto de perfil no WhatsApp é a de uma pomba branca com uma rosa nas patas.
Chameguinho diz que o trabalho rende quando está aborrecido, talvez porque “se esforce mais”.
Em dias bons, tira R$ 300. Não liga muito para os três concorrentes mais novos e pretende se levantar logo do tombo.
Além dos sustos que dá, das macaquices que faz, o número mais conhecido do palhaço é o do “casamento”.
É assim: caminhando no petit-pavé, ele inesperadamente entrega véu, grinalda e um buquê de flores a alguma moça desavisada que vem em sentido contrário. Funciona sempre.
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