O menino Charlie (Freddie Highmore) sonha em conhecer as instalações do mais famoso chocolateiro do mundo. Chegou a sua vez. Depois de um longo período sob total sigilo, a indústria é reaberta ao público por meio de um concurso, no qual cinco crianças do mundo inteiro, que acharam um bilhete premiado dourado nas deliciosas barras Wonka, são convidadas para um tour.

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Os elementos para uma fábula pueril, baseada no romance de Roald Dahl e que inclusive já tinha rendido um clássico do cinema infanto-juvenil, na década de 70, são colocados à mesa e seria uma abordagem normal para A Fantástica Fábrica de Chocolate. Porém, como se sabe, o norte-americano Tim Burton – responsável por obras tão fascinantes quanto esquisitas, incluindo Edward Mãos de Tesoura, Ed Wood e os desenhos O Estranho Mundo de Jack e o ainda inédito A Noiva Cadáver –, está longe de ser um diretor convencional, e por isso apresenta outra fita instigante visualmente e com subtextos interessantes.

O primeiro deles vem na explicação porque Willie Wonka (Johnny Depp) deixou de contratar funcionários da cidade onde a fábrica está instalada e a fechou para o mundo exterior. Ele ficou cansado de ter seus segredos roubados por concorrentes, que subornavam seus funcionários para obter fórmulas mágicas dos doces. Com o tempo, os imitadores foram se multiplicando e ninguém mais lembrava quem era o pioneiro produtor. Da forma como Burton ilustra a história em flashbacks, há margem para várias leituras críticas, sobrando farpas principalmente para a espionagem industrial e aos capitalistas sem escrúpulos.

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Depois, com os "cinco escolhidos", monta-se um painel da sociedade ocidental dos tempos modernos. São arquétipos de crianças, mas vistas por uma lente de aumento nada infantil. O gorducho alemão consegue encontrar o bilhete premiado, porque come uma barra de chocolate atrás da outra. A sua gulodice desmedida o torna repugnante. Já a menina mimada inglesa obriga o pai milionário a fazer todas as suas vontades, incluindo obrigar suas funcionárias a utilizar o tempo e o local de trabalho para encontrar o passaporte em milhares de caixas dos chocolates Wonka.

A outra menina, da Geórgia, sul dos EUA, é uma competidora nata, estimulada pela mãe a passar por cima de tudo e todos para atingir seus objetivos. O esporte favorito dela é o caratê e, a propósito, já está no Guinness por mascar chiclete de forma ininterrupta – provas da sua obstinação. Para completar o circo dos horrores, há outro garoto tipicamente americano, viciado em jogos e computadores e que chegou à "vitória" ao traçar os destinos dos caminhões da fábrica e calcular todas as probabilidades. Mas faz questão de dizer que não se amarra em chocolates.

O único que preserva a inocência é Charlie, de família paupérrima, mas honrada. Logo de saída, ele quer trocar o passe-livre para a fábrica de Wonka por um punhado de dólares. Afinal, todos estão passando à sopa de repolho há meses. Mas os avôs e os pais não permitem a transação. Os sonhos não têm preço. Burton quer mostrar que os adultos – e, por extensão, crianças que querem se tornar gente grande de forma prematura – são ridículos, por vezes, grotescos.

Isso se acentua a partir do passeio apresentado pelo personagem de Depp (no fio da navalha em afetação, mas sem comprometer). O espectador se depara com um mundo de cores e sabores sem qualquer sentido. "O chocolate não precisa ser real", explica-nos Charlie, em certo momento. E é esta a idéia fundamental para curtir sem culpa as maluquices dos Oompa-Loompas (seres diminutos, os operários do cacau e derivados), o elevador transparente que não se move apenas de cima para baixo, a televisão que faz teletransportes de barras e doces (com uma referência brilhante a 2001 – Uma Odisséia no Espaço) e a cachoeira capaz de misturar chocolate. As mensagens de Burton devem ser lidas pelos crescidinhos, mas mesmo eles não devem esquecer o esplendor das imagens, por mais malucas que sejam. Para aproveitar todo o esplendor de A Fantástica Fábrica de Chocolate, é preciso se dividir entre adulto e criança.