Opinião
Prosa fluida e refinada
Yuri AlHanati, repórter do Caderno G
Em Um Erro Emocional, Cristóvão Tezza explorou a prosa reflexiva em uma história de amor que se passava em apenas uma noite. A extensão temporal nos contos de Beatriz não é muito maior: as histórias se passam em uma noite, uma tarde, no máximo uma madrugada inteira. Mesmo que a redução da narrativa exerça um papel preponderante em seu ritmo, é possível observar que o escritor conseguiu injetar nesses contos uma dinâmica forte, que confere fluidez ímpar às situações em que se envolve a protagonista. A isso, combina-se um texto sofisticado e rico nos detalhes percebidos pelo olhar de Beatriz.
Embora narrado em terceira pessoa, Tezza consegue fazer o leitor enxergar o mundo pela ótica da revisora de texto, partilhar de suas angústias e inseguranças. E a identificação com Beatriz é imediata pela casualidade das histórias. Em "Amor e Conveniência", por exemplo, a protagonista passa uma noite reencontrando um ex-colega de sala sem lembrar-se de seu nome. Quem nunca passou por uma situação similar?
Serviço
- Lançamento de Beatriz, de Cristóvão Tezza.
- Livraria Arte & Letra (Al. Presidente Taunay, 130 fundos da Casa de Pedra), (41) 3223-5302.
- Dia 17, às 19h.
- Entrada franca.
Descobrir o lado contista de Cristóvão Tezza costumava ser uma tarefa difícil. Além de vasculhar sebos em busca de suas primeiras e únicas antologias, A Cidade Inventada e A Primeira Noite de Liberdade, era preciso ficar atento a sites, revistas e compilações nas quais o escritor publicou boa parte dos contos que agora entram em sua bibliografia oficial. O livro Beatriz, que o escritor lança hoje, a partir das 19 horas, na livraria Arte & Letra, reúne sete contos dois inéditos e um prólogo. As histórias giram em torno de Beatriz, personagem cujo universo Tezza consolidou em seu romance anterior,Um Erro Emocional. Com ele, podemos verificar que o incontestável valor literário de suas premiadas obras seu maior sucesso, O Filho Eterno, é o único romance brasileiro entre os indicados ao prestigiado International Impac Dublin Literary Award, da capital irlandesa permanece na narrativa curta.
Originalmente batizada de Alice, a personagem Beatriz um nome literariamente menos batido, segundo o autor, que não esquece a Beatriz de A Divina Comédia é, em alguns contos, uma revisora de textos que, entre uma proposta indecente e outra, apaixona-se e reflete sobre a vida. "Ela pensa muito e tem uma vida interior mais rica, embora seja capaz de grandes loucuras eventuais", explica o autor, que também escreve crônicas para a Gazeta do Povo seus textos são publicados todas as terças-feiras.
Nesta entrevista exclusiva, Tezza falou sobre a personagem, a influência da crônica na sua escrita e sua rotina como escritor.
Com exceção de dois contos, os textos de Beatriz já haviam sido publicados anteriormente. Como foi o processo de preparação dos textos para este livro?
O que me impulsionou a organizar o livro foi essa ideia da gênese da personagem de Um Erro Emocional. A ideia de um livro de contos que giram em torno da mesma personagem me pareceu boa. Além disso, queria fazer um prólogo para discutir um pouco a literatura, algo que já é uma preparação para o livro que estou escrevendo agora e que vou entregar em dezembro para a editora. Além de trocar o nome dos personagens, fiz uma revisão estilística. Pouca coisa.
O seu prólogo está muito impregnado da sua veia de cronista. O exercício da escrita semanal influenciou sua linguagem?
Sim. Eu sou um cronista tardio, estou escrevendo há três anos, e a crônica afetou a minha linguagem de ensaio. O treinamento semanal de comentar objetivamente numa linguagem mais solta para o leitor felizmente quebrou alguns cacoetes acadêmicos que certamente eu teria se fosse escrever esse prólogo há dez anos. Mas o prólogo foi feito para ser uma coisa mais solta, uma conversa com o leitor. Já no livro sobre a prosa que estou fazendo, a crônica me influenciou de maneira altamente positiva na capacidade de falar de assuntos extremamente complexos para o leitor comum.
O livro Beatriz é uma expansão do universo de Um Erro Emocional. Tem-se ali a Beatriz e o Paulo Donetti em outras situações. A situação é vagamente similar ao que você já tinha feito em Juliano Pavollini e O Fantasma da Infância. Quando o senhor optou por esse caminho?
Não tinha pensado nisso. Não consigo me livrar de mim mesmo! (risos). Mas acredito que o escritor não seja dotado dessa objetividade mortal, de saber exatamente o que vai fazer. São impulsos que me dão as ideias. Assim como uma palestra me deu a ideia de escrever o primeiro conto. São coisas acidentais, e o escritor de ficção está solto ao acidente.
As situações em que Beatriz se envolve geralmente partem de ou culminam em uma proposta de trabalho. Que aspectos da profissão de revisor de texto abrem possibilidades para tantas situações?
Eu fui revisor de texto anos a fio. Algumas situações aconteceram comigo, como eu começar a revisar um texto, me empolgar e na hora de passar o preço o cliente recusar. O fato de eu colocar essas coisas na cabeça de uma mulher foi uma liberdade romanesca fantástica, porque assim eu não corro o risco de entrar num biografismo confessional. É uma profissão muito procurada hoje em dia, o Brasil está se alfabetizando, a palavra escrita voltou ao seu lugar de importância. A Beatriz sintetiza minha experiência nessa área.
O livro explora também a rotina do escritor, de participar de palestras e bate-papos com leitores. Agora que o senhor está se dedicando exclusivamente à literatura, como encara esse mundo?
É uma espécie de minicatarse o que escrevo sobre esse universo. Claro que não se pode fazer uma leitura literal, se não ninguém mais me convida pra nada (risos). Gosto de brincar com isso. É uma situação dramática muito interessante literariamente, por que não explorá-la? Você vai para Rondônia, Amapá, Acre, Tocantins... De repente você está conhecendo gente e rodando o país. Nos últimos anos, há muita oferta para o escritor falar, em simpósios, mesas redondas, etc. Quando eu saí da universidade, foi muito pesado. Dá aquela ansiedade e uma insegurança de não ter mais o salário de professor, então fui aceitando tudo. Agora não, preciso administrar meu tempo, senão não consigo escrever nada. E só consigo escrever em casa, no meu canto.
Beatriz tem um espírito muito hesitante e introspectivo, já explorado anteriormente em Um Erro Emocional. Por que o senhor optou por essa linguagem?
Primeiro, pela a fidelidade à personagem. Não posso inventar uma Beatriz nova para esse livro. Ela é tímida, é introspectiva e pensa muito antes de falar. A principal razão para isso é que ela é curitibana. Ela tem o jeitão da cidade. Pensa muito e tem uma vida interior mais rica, embora seja capaz de grandes loucuras eventuais, como em Um Erro Emocional. O outro aspecto é que essa prosa reflexiva sobre um instante presente, sobre a vida que se leva, é uma coisa que surgiu muito forte na minha literatura desde O Fotógrafo. Desde então eu venho desenvolvendo essa linguagem, porque é um momento de crise também, um momento de reflexão da vida e do Brasil. E eu estou passando por isso, por momentos de transformação e poucas certezas. Isso se reflete na linguagem. A linguagem não mente.
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