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Enchente e deslizamentos de terra nas encostas de morros causaram enorme destruição em Teresópolis, na região serrana do estado do Rio de Janeiro | Vanderlei Almeida/AFP
Enchente e deslizamentos de terra nas encostas de morros causaram enorme destruição em Teresópolis, na região serrana do estado do Rio de Janeiro| Foto: Vanderlei Almeida/AFP

Há uma relação perversa entre os meios de comunicação de massa e as grandes tragédias. Em um momento na história da humanidade no qual somos bombardeados por informações a todo instante, é intrigante observar o efeito que imagens chocantes como as do desastre ocorrido na região serrana do estado do Rio de Janeiro nesta semana pode ter sobre quem acompanha tudo à distância, por meio da televisão, jornais, revistas e internet.

Como se trata da maior tragédia climática na história do país, a imprensa tenta dar conta da amplitude da destruição em Nova Friburgo, Teresópolis, Petrópolis e cidades vizinhas. Buscam oferecer a leitores e espectadores desde explicações científicas sobre o excesso de chuvas e o porquê dos deslizamentos nas encostas de morros, até contar as histórias de perdas e danos vividos por quem foi atingido diretamente pelas intempéries.

Edições quase inteiras de telejornais, páginas e mais páginas dos jornais diários e das revistas que chegarão às bancas neste fim de semana vão explorar o assunto até o osso. Esse é o dever do bom jornalismo, afinal de contas. Assim como mostrar que, ano após ano, tragédias semelhantes ocorrem no país, sem que o Poder Público tome medidas políticas eficazes que consigam evitar a morte de tantos brasileiros e prejuízos materiais tão gigantescos.

Mas não é exatamente sobre isso que desejo falar. Algo que chama a minha atenção, e me perturba, é o efeito que a verdadeira enxurrada de imagens do desastre exerce sobre o público médio. A dor dos que ficam, os corpos que se empilham, as casas e prédios que desabam, os móveis e eletrodoméstiocs que boiam, os resgates heroicos, a indignação, a sujeira, o abandono. Tudo isso é repetido tantas e tantas vezes pelos noticiários que, mesmo sem querer, as pessoas acabam por se acostumar ao ponto de não se deixarem tocar pelo que veem ou, pior, de reclamar "que só falam sobre isso". Tive de ouvir isso hoje de uma mulher, mais preocupada em correr na esteira de uma academia de ginástica.

A verdade é que, num mundo hipermediatizado, as tragédias, sejam aqui, na Austrália ou na Ilha da Madeira, são transformadas em espetáculos, assistidos ao redor do mundo como se fossem filmes de ficção. Assim como guer­­ras sangrentas, atentados terroristas e acidentes aéreos são servidos no banquete da grande mídia, que os explora enquanto algo novo – e de maior apelo – não acontece. São tantas as imagens das muitas tragédias humanas, que também incluem a fome, a tortura em campos de prisioneiros, os motins em complexos penitenciários, as trocas de tiros entre polícia e bandidos, que o público talvez não tenha tempo de processar o que vê. Apenas engole tudo, como uma ração diária.

O duro é pensar que, quando as câmeras são desligadas e a pauta parece ter sido esgotada, até porque surgem novas urgências a serem atendidas, a vida real não termina como um filme ou um episódio de seriado. Os personagens continuam lá, quase sempre trancados em um enredo do qual não conseguem escapar, se debatendo em um roteiro que, de maneira geral, não sofre grandes alterações. E, no ano seguinte, o grotesco espetáculo se repete para horror, tristeza e, por fim, indiferença da maior parte dos que apenas o assistem.

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