Ficha técnica
O Evangelho Segundo Hitler
Marcos Peres
Editora Record
349 páginas
R$ 38
A vida de Jesus Cristo e a origem do nazismo já foram objetos de análise de vários artistas. Independentemente dos argumentos apresentados, as obras resultantes desses estudos, na maioria livros e filmes, costumam ganhar atenção especial do público, por conta do inexorável apelo do fato histórico, elemento central de uma expertise temática. Foi assim com títulos lançados por Dan Brown, Ingmar Bergman, José Saramago, Martin Scorsese e Michael Haneke e, ao que tudo indica, será, também, o destino do primeiro romance do servidor público maringaense Marcos Peres.
O Evangelho Segundo Hitler foi lançado pela Record, após vencer o Prêmio Sesc de Literatura 2012/2013. Soa inusitado traçar um destino para esse livro, uma vez que inclui na lista de personagens o cânone literário argentino Jorge Luis Borges (1899-1986). Para este, a fatalidade do porvir era um subterfúgio à realidade, pensamento exposto, por exemplo, no conto Fragmentos de Um Evangelho Apócrifo, no qual diz "bem aventurados os que não têm fome de justiça, porque sabem que nossa sorte, adversa ou piedosa, é obra do acaso, que é inescrutável".
Pelo oposto, esse excerto oferece contornos precisos ao outro personagem do livro, este sim fictício e protagonista, um argentino que também se chama Jorge Luis Borges. Crente no destino e sob um verniz de inveja, já que tentou ser escritor e não obteve sucesso, ele tem como maior desejo assassinar o literato, por acreditar que este colaborou com o nazismo e com o Holocausto a partir de contos que escreveu sobre Judas Iscariotes. O maringaense promove encontros entre ambos, lembrando outra história do Borges real, intitulada O Outro, na qual se mostra duplicado, em um confronto amistoso com uma versão mais nova de si mesmo.
Fica claro, desde as primeiras linhas, a admiração que Peres tem por Borges. O Evangelho Segundo Hitler, contudo, não se resume ao tom de homenagem, com enredo criado a partir de temas frequentes na obra do portenho. O maringaense vai além e, tomando Umberto Eco e o seu O Pêndulo de Foucault como evidentes referências, expõe uma teoria, a mesma do protagonista, composta por elementos reais e ficcionais. Ele cria uma espécie de castelo de areia argumentativo, deixando o leitor à deriva de questionamentos sobre a veracidade do que lê, para, ao fim, destruí-lo, e gerar reflexão: o verossímil pode ser falso.
A obra tem um título comercial e polêmico e, em alguns momentos, ganha os tons kitsch da narrativa de qualquer romance de Dan Brown, recursos necessários para atingir o objetivo final, indubitavelmente elegante e nada conspirador. Sábio, Peres se apropria dos grandes para não se reduzir à blasfêmia na diegese que constrói. Além de Borges e Eco, o maringaense reverencia Trevor Ravenscroft (com dois capítulos que abrem com citações idênticas de A Marca da Besta) e o Rodion Raskólnikov de Fiódor Dostoiévski. Salta, assim, da paraliteratura para a literatura propriamente dita. Um escritor a se prestar atenção.