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Dá para dizer que Arnaldo Antunes conquistou o público "no grito". Seus berros à frente dos Titãs, aliados à performance epilética, chamaram a atenção para um artista sem medo do estranhamento. Agora, no entanto, ele quer cantar. Os trabalhos mais recentes, além da experiência com os Tribalistas, já sinalizavam para uma mudança. E o lançamento de Qualquer, seu novo CD, confirma a guinada. Ao longo de 14 faixas, o que se ouve é um Arnaldo menos roqueiro e mais emepebista, usando sua voz grave e arrastada para interpretar canções intimistas. Em entrevista ao Caderno G, o cantor/poeta de 46 anos falou sobre essa busca por concisão e outros assuntos da hora. Confira.

De uns tempos para cá, muitos dos grandes nomes da música brasileira passaram a gravar discos mais intimistas e pessoais, com poucos instrumentos e produção enxuta. Os exemplos são muitos: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Rita, os próprios Tribalistas... Você enxerga uma tendência em voga?

Acho que são coincidências. No meu caso particular, isso vem acontecendo em partes dentro do meu trabalho. Só que desta vez eu quis focar o resultado sonoro numa coisa mais concisa. Meus discos sempre tiveram uma diversidade de arranjos muito grande, e agora resolvi valorizar a canção, com uma mesma formação musical em todas as faixas. Isso, de certa forma, foi pensado. Mas não sei até que ponto está afinado com alguma tendência. Seja como for, o que pode estar acontecendo no momento é exatamente esse interesse em valorizar o formato da canção.

Você trabalha muito no esquema de parcerias, e Qualquer é o seu primeiro disco inteiramente criado dessa forma. Como elas se desenvolvem dentro da sua rotina de trabalho?

Eu gosto muito de compor em parceria. É sempre um exercício estimulante. Muitas coisas que eu acabo fazendo, não teria feito se estivesse sozinho. Cada pessoa puxa de você um lado diferente de criação. Aprendi a fazer música em parceria na época dos Titãs. A gente compunha muito e em todo tipo de lugar. No quarto de hotel, no ônibus... Sempre estávamos fazendo música. E depois eu fui ampliando o meu repertório de parceiros. Muita gente me manda música para eu pôr letra, ou pede para musicar um poema meu. São muitos processos diferentes, com cada pessoa é uma história diferente.

Você citou os Titãs. Não deixa de ser curioso que, 14 anos após sua saída do grupo, ainda se refiram a você, inclusive na imprensa, como "o ex-Titã" Arnaldo Antunes...

Mas isso não me incomoda. Acho que é uma referência importante. Tenho muito orgulho de tudo o que fiz nos Titãs durante os dez anos em que estive na banda. E foi marcante também para o público em geral, tanto que até hoje existe essa identificação. Faz parte da história das pessoas esse meu elo com os Titãs. Enquanto criação, essa relação continua. Nesse disco novo, por exemplo, há uma parceria com o Branco Mello (ainda integrante do grupo). Acho que existia uma identificação forte dos Titãs com a minha figura. Tão forte que demorou para que as pessoas me vissem com uma independência em relação à banda.

Passados quatro anos do lançamento do CD dos Tribalistas, como você avalia o impacto daquele material? Há planos para um novo álbum?

A espontaneidade com que se deu aquele encontro foi um aspecto muito importante de sedução para o público. Foi a própria verdade do trabalho que atraiu as pessoas. Hoje, existe o desejo nosso de continuar exercitando esses encontros de composição. A gente se encontra para fazer música, e os Tribalistas continuam dessa forma. Meu disco anterior, Saiba (2004), já tinha várias canções nossas pós-Tribalistas. Nos dois discos que a Marisa lançou este ano, também. E no CD que o Carlinhos está gravando agora ainda devem entrar outras dessa safra nova. Outros artistas também podem gravá-las, como aconteceu com a Rita Lee e (a sambista) Juliana Diniz. Mas não há nenhum plano de fazer outro disco como Tribalistas. Na hora que isso acontecer, aconteceu.

Nome, seu primeiro trabalho-solo, dividiu opiniões por misturar música, vídeo e poesia. Trezes anos depois, ele acaba de ser relançado em DVD. Você acha que, finalmente, o projeto foi digerido?

O Nome tinha essa característica de ser um projeto em que várias linguagens conversavam. Sempre pensei nesse trabalho como um momento de muita realização, de poder juntar minha produção. E era um momento marcante, em que eu estava saindo dos Titãs e queria realmente fazer uma coisa diferente do que fazia junto com eles. É um trabalho de difícil assimilação, e não sei o que mudou para hoje em dia. De qualquer forma, acho importante que ele agora esteja registrado em DVD, porque foi lançado como VHS e estava fora de catálogo há muito tempo. Foi um projeto muito marcante pra mim e fico satisfeito de relançá-lo com uma melhora qualitativa de som e imagem.

Uma nova exposição em São Paulo colocou o movimento concretista outra vez em foco. Como você, que sempre foi muito influenciado pela poesia concreta, vê a herança do movimento nos dias de hoje?

A poesia concreta de certa forma está incorporada, influenciou várias gerações de poetas e também de compositores da música popular. Você encontra frutos daquela experiência na cultura brasileira em geral. Meu trabalho tem um tanto da poesia concreta, mas hoje em dia não dá para falar dela nos termos do que foi o movimento original. O próprio trabalho dos protagonistas do movimento foi tomando feições mais pessoais. Cada um deles passou a fazer uma poesia mais diferenciada, mais personalizada, sem aquela necessidade de uma articulação conjunta que tivesse uma teoria por trás. Seja como for, acho que a obra de cada um deles é uma influência decisiva para mim. E para muita gente também. Entrou na corrente sangüínea da cultura brasileira.

Na já clássica "Lugar Nenhum" ("Não Sou Brasileiro/ Não sou estrangeiro"), dos Titãs, você cantou sua desidentificação com o nacionalismo e o regionalismo. E sempre usou a sua formação paulistana, marcada pela diversidade, para justificar esse sentimento. O que, afinal, está acontecendo com São Paulo, refém dessa recente onda de violência?

Essa questão da violência existe em todas as grandes cidades, no mundo inteiro. Isso que está acontecendo aqui nos últimos tempos é fruto do desprezo das autoridades e da sociedade em geral por uma situação de defasagem de renda. Não está se olhando para o que acontece na periferia da cidade. O próprio apartheid econômico, vamos dizer assim, vai criando tensões que acabam resultando em respostas violentas. Claro que é horrível essa história de PCC, crime organizado, etc. Mas não dá para ignorar que, se você põe 80 presos numa cela que é feita para caber oito, aquela bomba uma hora vai explodir.

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